Volume 1

Capítulo 0015: Aqui não é o seu lugar!

Atualizado em: 05 de março de 2023 as 16:16

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Siegfried mal pregou os olhos naquela manhã.

Acordou com a cabeça de Dara deitada em seu colo, dormindo pacificamente. Não queria acordá-la, então demorou um pouco para se levantar, tomando cuidado também para não pisar nas crianças que dormiam no chão.

Lá fora, o dia estava cinza e nada se ouvia além do vento forte que soprava.

O sol fazia o seu melhor para atravessar as nuvens carregadas, mas ainda estava escuro o bastante para que os guardas sonolentos precisassem de lamparinas para iluminar o caminho durante suas patrulhas; o vento gelado extinguia qualquer chama desprotegida.

Então se dirigiu ao pátio de treinamento.

Ao contrário de Lâmina Feroz, o local era humilde e não passava de um terreno baldio, escondido atrás do salão, com quatro bonecos de palha para os arqueiros, um tronco mais afastado para o treinamento com espada do conde e nada além disso.

Bem, quase nada.

— Brynna?

Encontrou a garota lavando roupa em uma bacia, meio escondida na sombra do Salão dos Poucos. Tão discreta que só a notou graças ao som que a esponja fazia ao ser esfregada no tecido.

Quando seus olhos se encontraram, viu que o rosto dela estava vermelho e seu corpo tremendo com a brisa gelada. Ainda assim, a garota sorriu:

— B-bom dia… Já acordou?

Conseguia ver a respiração dela, enquanto falava; uma discreta nuvenzinha saindo de sua boca.

Por um momento, não soube o que fazer, então a observou sem nada dizer. Brynna se sentava à mesa com as garotas nobres, brincava com elas e sorria com vontade, mas ainda era uma serva; enquanto suas amigas dormiam pacificamente em um salão quentinho, ela acordava antes do nascer do sol e trabalhava no frio, até suas mãos congelarem.

"Ela só tá fazendo o seu trabalho."

Deu um passo à frente.

"Não é como se nunca tivesse feito isso antes."

Então outro.

"Ela tem que trabalhar. Os nobres não têm utilidade para servos preguiçosos."

Continuou em frente, até parar diante dela.

— S-Sieg…?

"Vai saber o que fariam com ela, se decidisse não trabalhar."

O rapaz se agachou, ignorando os olhos da garota e pegando as suas mãos, ainda molhadas com a água fria da bacia. Foi como tocar em um bloco de gelo. Seus dedos estavam vermelhos, enrugados e tremiam compulsoriamente, mas as suas mãos eram tão pequenas e delicadas como as de qualquer garota.

— O-o que você tá fazendo?

— Tá frio. — Ele envolveu as mãos dela nas suas e assoprou, aquecendo-nas; quando fez isso, ela arfou, seu rosto ficou vermelho e começou a usar.

— E-eu…

— Você vai acabar pegando um resfriado ou algo assim, se continuar.

— E-eu tô bem… Tenho que terminar isso e--

Ela tentou puxar as mãos, mas Siegfried não a soltou, então, ao invés disso, a garota o olhou nos olhos, pensou um pouco e sussurrou de cabeça baixa:

— A-acho que uma pausa… Não faz mal…

E foi o que fizeram.

O escudeiro teria feito bem em trazer algum tipo de agasalho. Tinha recebido um quando partiu para matar os rebeldes; um casaco de pele de lobo marrom. Não tinha pensado em trazê-lo.

Saiu para treinar, por isso não achou que seria necessário. Se esquentaria naturalmente, graças ao esforço físico.

Mas a garota precisava de algum calor.

Escolheram um canto mais afastado, onde o sol já conseguia alcançar, tirou sua brigantina e ela se aninhou nele, descansando a cabeça em seu ombro e escondendo as mãos geladas embaixo da sua camisa, fazendo um arrepio correr sua espinha.

Ela sorriu.

Ficaram ali por um bom tempo, até que Brynna caiu no sono e cochilou, acordando assustada uma hora depois, com o cabelo desgrenhado e um pouco de baba na boca. A garota olhou desesperada ao seu redor, como se estivesse no meio de uma batalha, mas quando tudo o que viu foi Siegfried, se acalmou e caiu no colo dele, com o corpo mole.

— Droga. — Ela deu um soquinho no seu peito. — Por que me deixou dormir? É culpa sua.

O rapaz riu e ela também, primeiro discretamente e então mais alto, até que estivessem rindo sem se importar.

Por isso não ouviram as botas pisando no chão uniformemente, até que já estivessem diante deles.

— Que gracinha — disse Igmar, olhando para o casal aninhado no tronco de madeira que ficava mais afastado do centro do pátio. — Mas agora está na hora dos homens de verdade treinarem. Então caiam fora e vão fazer essas coisas onde os outros animais fazem. Bem longe daqui!

— Que merda você--

— Sim, senhor. Obrigada, senhor. Sentimos muito — disse Brynna, tomando logo a dianteira e puxando Siegfried para longe, antes que o rapaz tivesse a chance de fazer algo estúpido.

O capitão da guarda observou com desgosto, enquanto os dois se afastavam e seus soldados lançavam piadas obscenas, sugerindo coisas que nenhum homem deveria sugerir a uma garota de dezessete anos.

Mas dentre todos os insultos, o de Igmar foi o que mais se destacou, e ele não se dirigia à garota:

— Humpf. Até uma serva merece coisa melhor do que um covarde. Você devia procurar alguém mais do seu nível, como um rato.

Foram parar do outro lado do pátio, bem longe dos guardas, se escondendo em um canto do enorme salão, fora da vista deles.

— Huff. Cara. — Ela riu, se encurvando para apoiar uma mão no joelho e a outra no peito. — Meu coração parece um tambor. Hahaha.

Quando voltou a olhar para o escudeiro, ajeitou a postura. A sua testa estava um pouco suada e oleosa após a pequena corrida, então ela jogou o cabelo que tinha caído na frente do rosto para trás e mexeu na gola do seu vestido, sacudindo o tecido para se abanar.

— Se gostou do que tá vendo, me beija… — A voz dela saiu firme, mas vacilou no final e, por um instante, ela desviou o olhar. — O-ou então diz alguma coisa! É estranho você ficar aí parado!

— Brynna.

— Huh…? F-fala.

— Você tá com um pouco de baba, bem aqui. — O escudeiro apontou com o dedo para a própria boca e a garota se apressou em limpar, com o rosto vermelho como um tomate.

— Ah, merda. Que mico.

— Você não tá brava?

— Hã? Ah! Por causa daqueles otários, né? Nah. Tá tudo bem. Já ouvi coisa pior.

— Não tá nada bem!

— Huh? P-por que você tá tão irritado assim do nada?

— Por que você não está?

— Mas eu tô. E daí? O que você quer que eu faça? Pegue uma espada pela primeira vez na minha vida e bata em trinta soldados com o dobro do meu tamanho?

— …

— São só palavras.

— É a sua honra.

— Plebeus não têm honra. Isso é coisa de fidalgo.

— … Todos têm honra! Ou deveriam ter. Sem ela, o que resta?

— Muita coisa, isso eu te garanto. Pra começar, meus dentes. Porque se a honra diz que eu devia partir pra cima de qualquer um que me chamasse de puta, então eu não teria mais nenhum.

— Não foi o que eu quis dizer. Garotas não deveriam precisar pegar em armas. É por isso que os homens lutam.

— Cavaleiros lutam por donzelas de nascimento elevado. Não por mim.

— …

"Como ela consegue ficar tão calma?"

Siegfried sentiu seu sangue ferver. Covarde. A palavra fez seu estômago embrulhar e deu um gosto ruim na boca. Mas quando tentou lembrar do rosto de Igmar, foi o de Kris que veio à sua mente; o seu último olhar antes de decapitá-lo.

"Eles me abandonaram. Não mereciam minha lealdade", repetia para si mesmo, sempre que esses pensamentos lhe vinham à mente.

O conde tinha razão, não valia a pena morrer por cinquenta moedas de cobre, nem por lealdade à alguém que não se importa com você.

Os homens eram diferentes dos anões. Não se viam como iguais no campo de batalha. Faziam de tudo para separar os de alto nascimento dos de baixo.

Eradan o enviou para missões suicidas com frequência. Em Qaredia, isso precederia uma promoção de destaque, com Siegfried tendo o comando de seus próprios homens e uma voz ativa na discussão de táticas.

Em Thedrit, tudo que recebia eram missões ainda mais perigosas e nada além do que lhe havia sido prometido desde o início.

O conde era um comandante muito mais anão do que homem.

Então por que isso ainda o incomodava?

Seus olhos buscaram por Igmar. O capitão da guarda liderava um exercício de supressão; um dos guardas fazia o papel do inimigo, enquanto dez outros formavam um círculo ao seu redor, se aproximando com escudos e lanças sem ponta, apropriadas para treino.

Uma tática eficiente… Com uma mensagem clara.

"Se tentar alguma gracinha de novo, é isso que vai acontecer com você."

As lanças atingiram o 'inimigo' cercado nas costas, o fazendo abrir a guarda para que mais lanças sem ponta atingissem seu rosto. Então o que se seguiu foi uma pequena sessão de espancamento, quando o seu sósia caiu no chão e seus colegas continuaram acertando-no com os cabos, até o capitão interrompê-los aos berros.

— Eu podia vencer eles.

— Sério? — Dara surgiu nas suas costas, apoiada em seus ombros, enquanto olhava na mesma direção que o rapaz. — Caramba. Mas tem um monte. Você não tá se fazendo de bonzão, né?

— Quê? Quando você chegou?

A garota sorriu e só então o rapaz percebeu que Brynna havia sumido.

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