Volume 1

Capítulo 0014: De volta ao lar

Atualizado em: 26 de fevereiro de 2023 as 16:19

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Siegfried sentiu seu coração pulsar e acelerar ao subir o aclive que levava até o Salão dos Poucos. Mas desta vez atravessou os muros de madeira montado em seu próprio cavalo, e não arrastado por um.

Após doze dias fora, o conde foi recebido com a mesma hospitalidade de sempre.

Vinte soldados vieram e levaram as montarias e carroças, enquanto Igmar, o capitão da guarda, saudava seu lorde:

— Vossa graça. É bom vê-lo em segurança. Como foi a caçada?

— Uma merda. Aquele covarde do Eradan já tinha fugido quando chegamos. E não vimos nem a sombra de um bandido ou animal selvagem o caminho todo. Será que é pedir muito por um pouco de sangue?

— Isso apenas mostra que vossa graça tem suas terras sob controle. Tenho certeza de que a condessa ficará mais calma sabendo que o senhor está em segurança.

— Falando nisso, cadê ela?

— …

— Preciso esquentar o sangue. Vou enlouquecer se não vir um pouco de ação esta noite.

— A-acredito que… A condessa está em seus aposentos… Mas vossa graça não prefere--?

O lorde não esperou para ouvir o que seu capitão tinha a dizer, apenas avançou salão adentro e desapareceu em meio aos brindes e risadas, enquanto Igmar olhava em sua direção, até que as portas se fecharam diante dele.

Então Siegfried se viu sozinho entre lobos.

Encontrou os olhos do capitão da guarda quando este se virou para ele com a mão descansando no punho da espada. Seu rosto era calmo, mas o rapaz já tinha visto aquele olhar várias vezes; era o mesmo que os seus comandantes faziam antes de arrancar a cabeça de um soldado desafiador, que não sabia a hora de ficar quieto.

Mas ele não era seu comandante.

Por isso fez o mesmo e descansou a mão sobre o punho da espada. Então o pátio inteiro prendeu a respiração; guardas interromperam os seus afazeres para observar, alguns prontos para pegar em armas, outros apenas curiosos.

Até mesmo Dorian e o barão Frost se detiveram de entrar no salão, ansiosos por verem a cabeça do escudeiro ser separada do corpo. Por isso, devem ter ficado bem decepcionados quando Igmar se limitou a fazer uma careta e estalar a língua de irritação, antes de se virar e ir embora.

É claro que ele não ousaria executar o protegido do conde. Não sem uma boa desculpa.

Então todos perderam o interesse e voltaram ao que estavam fazendo. Os soldados voltaram às suas patrulhas, enquanto o barão atravessou as portas de madeira a passos largos, seguido de perto por Dorian, que fez questão de esbarrar no ombro de Siegfried antes de entrar no salão.

O rapaz esperou alguns instantes e então os seguiu.

A noite úmida e fria desapareceu, dando lugar ao calor acolhedor do Salão dos Poucos, que estava sempre cheio de vida, com risadas e tochas para iluminar cada canto do lugar. As paredes grossas expulsavam o frio e cobriam seu corpo como uma dezena de cobertores quentinhos.

O cheiro de carne assada encheu seu nariz e, por um breve momento, esqueceu que aquele era o território inimigo.

Atravessou o local a passos lentos, observando os adultos beberem, as crianças correrem e as garotas fofocarem. Viu uma serva passando ao seu lado com uma bandeja de carne seca e seu coração disparou, até que viu seu rosto.

Não era ela.

Então pegou o seu lugar mais afastado dos outros e bebeu uma caneca de cerveja. Ninguém falou com o rapaz, mas todos prestavam atenção nele; o barão Frost nunca ficava mais do que dez segundos sem olhar em sua direção, quase como se temesse que ele evaporasse de repente; os guardas também estavam bastante atentos, mas se eram por ordens de Igmar ou rancor pela humilhação que lhes causou ao atacar o conde bem debaixo de seus narizes, não tinha certeza.

Sabia também que a condessa não gostava dele, mas esta não estava presente. O conde havia ido visitá-la em seus aposentos e, mesmo com todo o falatório dos convidados, não era muito difícil saber o motivo.

Estava comendo um prato de peixe assado, quando viu Dorian olhando em sua direção; o olho esquerdo cego, deformado por uma terrível cicatriz que ia da orelha até o canto da boca, e o direito vibrando de ódio.

Comeu um pedaço do peixe.

"Aquele ali vai tentar me matar. E não acho que vai demorar muito."

Sentiu a respiração quente em sua nuca e se virou, dando de cara com uma garota loira da sua idade, se inclinando para perto, com uma expressão neutra e olhos bem abertos. Os dois se entreolharam por um momento bem desconfortável, até que ela sorriu:

— Dara Essel.

— O quê?

— Pode me chamar só de Dara. Ou de Darinha, se preferir. Minha irmã me chama de Dada, mas acho que ficaria estranho se um garoto fizesse isso.

— … Siegfried.

— Eu sei. Você matou meu tio, lembra?

— Ah. Foi mal.

— Acontece. — Ela encolheu os ombros, como se o rapaz tivesse acabado de se desculpar por derrubar um copo de leite no chão. — Se importa se eu ficar com você?

A garota não esperou por uma resposta, logo se ajeitou na cadeira e sentou com os quadris colados no escudeiro, mesmo que estivessem sozinhos e houvesse muito espaço no longo banco.

Então ouviu um 'tump' quando Dorian bateu a caneca de madeira na mesa, se levantando com raiva e avançando a passos largos em direção ao casal.

"Começou."

Siegfried tentou alcançar o cabo da espada, mas Dara entrelaçou os braços ao dele, o abraçando e impedindo que alcançasse a lâmina.

— O QUE ACHA QUE ESTÁ FAZENDO COM A MINHA IRMÃ, MERCENÁRIO?

A voz do jovem fidalgo saiu tão alta que o salão inteiro se aquietou para ouvir o que estava acontecendo. De repente, todos os olhos estavam dispostos neles.

Foi quando os murmúrios começaram.

Todos viram a cicatriz no rosto de Dorian e ninguém gostava de Siegfried, então não levou muito tempo para que chegassem a uma conclusão tão infamante quanto verdadeira; o novo escudeiro do conde tentou assassinar um nobre.

Claro, ninguém iria acusá-lo disso quando nem o próprio lorde o havia feito e até mesmo o barão Frost se mantinha em silêncio quanto ao ocorrido; uma grata surpresa.

Antes mesmo que tivesse tempo de responder, Dara enrolou os braços ao redor dele com mais força e tomou a iniciativa:

— Quê que você quer? Não vê que a gente tá ocupado?

— O que você disse!?

— Você me escutou.

Alguns risinhos abafados começaram a se espalhar pelo salão e as pessoas voltaram a beber, aos poucos voltando aos seus assuntos, descartando toda a confusão como birra de criança.

— Sua vadia. — Os pontos na cicatriz de Dorian se romperam quando ele franziu a testa e então seu rosto começou a sangrar; não que o rapaz parecesse se importar. — Vai ficar do lado desse mercenário encardido e não do seu próprio sangue?

— Vou ficar ao lado do escudeiro do conde, não do covarde que insulta minha honra. Acha que não sabemos o que aconteceu na caçada de vocês? — Ela sorriu maliciosamente quando viu o rosto de seu irmão ficar pálido, então falou mais alto: — Sua graça nos enviou uma carta antes de sua chegada, irmãozinho. Uma para a senhora sua esposa, uma para o capitão da guarda… E uma para o nosso pai. Quer saber o que dizia sobre você?

— E-eu… Isso--

— Dizia que você foi pego em uma emboscada. Que se assustou todo quando viu os homens de Eradan atearem fogo no acampamento. Que perdeu a sua armadura e a espada tão cara que o papai te deu. E que foi o Sieg aqui quem te salvou.

"Sieg?"

Dorian se agitou e não era preciso ser um gênio para saber o que o rapaz diria a seguir, mas ela foi mais rápida:

— Ou está chamando sua graça de mentiroso?

Foi naquele momento, quando todos se viraram em silêncio para Dorian, desdenhosos quanto a sua falha, que Siegfried viu como a donzela bem ao seu lado brilhava; seus cabelos loiros eram como seda e seus olhos esmeraldas.

"Então é assim que uma garota nobre se parece."

— Dorian! — chamou seu pai, um homem de ombros largos e rosto duro, encarando o próprio filho com tamanho desgosto que era como se estivesse chamando a atenção de um cachorro que urinou em sua cama. — Está cansado. A sua viagem foi muito longa, é melhor ir se deitar.

— E-eu…

— Conversamos amanhã.

Depois disso, o banquete continuou, tão animado e ruidoso como se nada tivesse acontecido. Mas desta vez, Siegfried se tornou o centro das atenções.

Com Dara agarrando seu braço direito, Brynna se juntou a eles e sentou à sua esquerda, fazendo o mesmo; como não podia se mover direito, foram elas que deram bebida e comida na sua boca.

Emelia também veio com as amigas, mas sentou do outro lado da mesa e fez o melhor que pôde para ignorá-lo, apesar de vez ou outra se pegar olhando para o rapaz.

— Qual o problema dela? — perguntou Brynna.

— Tá com ciúmes. — Dara sorriu, cochichando para a amiga.

— E-eu não tô nada! — O rosto da filha do conde ficou vermelho, seus olhos encontraram os de Siegfried por um momento e então ela voltou a encarar o nada. — São vocês que são muito atrevidas. Não deviam se comportar assim em público.

— Inocente — disse Brynna.

— Muito inocente — concordou Dara. — Isso quer dizer que tá tudo bem pra você se for em outro lugar?

— O-o quê? Não, espera. Eu não disse--

— Ah, Emi, eu não sabia que você era uma safadinha — provocou Brynna, tapando a boca com a ponta dos dedos para não rir do rosto da amiga ficando vermelho como um tomate, enquanto lutava para responder às provocações.

As crianças chegaram depois, atraídas pelas risadas.

O pequeno Sam, acompanhado de sua espada curta e Mirabel Essel, sua fiel seguidora com os pés sempre descalços.

Então não houve mais paz.

As crianças quiseram ouvir sobre suas histórias de guerra e as garotas sobre as suas viagens. E parecia não importar o quanto falasse, eles não se entediavam.

Antes que notasse, o sol já estava nascendo e a última das garotas finalmente caiu no sono, com a cabeça descansando em seu colo.

Só então percebeu que estava sorrindo.

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