Volume 2

Capítulo 0065: Um ato de loucura

Atualizado em: 07 de janeiro de 2024 as 16:36

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Já era noite cerrada e a nevasca ficava cada vez pior, quando Siegfried finalmente deu o treino por encerrado e precisou parar para recuperar o fôlego.

A essa altura, os músculos do seu braço tremiam de exaustão e o ar gelado preenchia seus pulmões, o congelado de dentro para fora.

Então segurou a espada com a mão esquerda e contraiu os dedos da direita, até que o sangue voltasse a circular e, aos poucos, a dormência desapareceu.

Foi quando ela veio.

A condessa estava linda como sempre. Usava o seu manto de pele de urso branco, mas isso não era o bastante para esconder as curvas por baixo dele; mesmo sem ver, se lembrava muito bem da sua silhueta, com seios fartos e corpo em forma de ampulheta, embora sua barriga devesse estar um pouco maior agora, devido aos três meses de gravidez.

Tinha o rosto levemente corado de frio e, por um breve momento, o rapaz se esqueceu do quanto ela o odiava.

Talvez a tenha encarado demais, porque ela logo vestiu a sua habitual expressão de desprezo, se aproximando a passos tímidos, com o vice-capitão Dyrk e mais cinco guardas da sua facção logo atrás.

Siegfried baixou a espada, esperando talvez por uma provocação ou duas, ao invés disso, eles o cercaram como um bando de lobos selvagens e isso o irritou profundamente; que direito tinham de usar uma formação de combate para falar com o seu próprio comandante?

— O que querem!?

— Olha a língua, ‘capitão’ — disse Dyrk, sorrindo como se fosse a pessoa mais importante dali. — Uma ordem de sua graça e pode ser que eu a corte.

— Então devia ter trazido mais homens.

— É uma ameaça!?

O vice-capitão puxou a espada e seus capangas fizeram o mesmo, mas Siegfried não se moveu. E por que deveria? Podia ouvir o aço tremendo nas mãos de alguns deles; ainda o temiam e isso era bom.

Talvez devesse agradecer à condessa por reunir todos os covardes sob seu comando, assim não contaminariam os outros.

— Guardem as espadas! — ordenou a lady Gaelor e, um por um, todos obedeceram.

Siegfried também guardou a sua, mas Dyrk foi o último e esperou até que ele afastasse a mão do cinto da espada para obedecer à ordem; sempre foi um dos seus soldados mais desafiantes.

Tão logo os ânimos se acalmaram, a condessa se aproximou, parando tão perto de Siegfried que ele conseguia sentir sua respiração quente e o hálito doce de vinho em seu rosto.

— Já podem ir! — ela disse.

Os guardas trocaram olhares por um momento, mas ninguém se moveu, até que Dyrk falou o que todos estavam pensando:

— Milady, não acho que seja uma boa ideia.

— Não me lembro de ter pedido a sua opinião.

— C-com todo o respeito, vossa graça, mas ele é perigoso.

— Está desafiando minhas ordens!?

— Eu jamais ousaria, milady, mas mesmo que não me caiba questioná-la, é nosso dever protegê-la.

— Seu dever é me obedecer! Se não consegue entender isso, talvez seja melhor eu arranjar alguém que consiga.

Foi o que bastou.

Dyrk hesitou por não mais do que dois segundos, apenas o bastante para ter certeza de que ela não estava blefando.

Então, simples assim, todos os guardas foram embora, deixando-os a sós.

Por um momento muito longo e desconfortável, a condessa apenas ficou ali, o encarando como se tentasse ler a sua mente, mas deve ter falhado, porque finalmente perguntou:

— O que ela te disse?

— Como?

— Não se faça de idiota. A baronesa Kessel! Ela saiu no meio do banquete essa tarde e eu sei que veio até você. O que ela queria!?

— Nada. Apenas tentou ser legal.

Não que tenha sido uma surpresa, mas ela não acreditou nele. Ainda assim, controlou a raiva e prosseguiu:

— Eu sei o que ela te ofereceu.

— Ela não–

— Alethra!

— …

— Nem adianta negar! Todo mundo sabe que a garota não é mais donzela. Quem melhor do que uma vadia pra alguém como você, não é? Seriam o casal perfeito.

— Não sei do que você tá falando.

— Acha que me esqueci da sua cadela?

Siegfried não respondeu, mas deve ter deixado a sua raiva transparecer, porque quando viu seu rosto, ela sorriu cheia de desdém e continuou:

— Sei que a deixou escapar e reconheço uma cobra quando a vejo. Meu irmão, meu cunhado, meu pai, meu sobrinho. Quatro membros da minha família estão mortos por sua culpa. Não deixarei que minha filha seja a quinta! Não sei que tipo de acordo vocês fizeram, mas sei o que está pensando. Os Kessel são nossos vassalos mais ricos e poderosos, mas não se engane, ainda são nossos vassalos! Se tentarem nos trair–

— Sou leal ao conde!

— Humpf. Já vi o que vale a sua lealdade. Mais depressa voltaria com o rabo entre as pernas pra Eradan, do que morreria por meu marido.

Por instinto, a raiva levou o polegar de Siegfried a roçar no pomo da espada. Jamais a teria sacado, é claro. Tão pouco ousaria machucar a esposa do conde, mas o gesto foi o bastante.

Uma seta serpenteou invisível no ar e atravessou seu ombro esquerdo, o empurrando para trás. Não o derrubou, mas já estava cansado do treino, por isso suas pernas fraquejaram e ele caiu de joelhos na neve.

— Milady! — chamou Dyrk, correndo para perto da condessa, com uma besta na mão. — A senhora está bem?

— Está louco!? — ela gritou, desesperada. — O que fez!?

— Ele ia te atacar!

Foi tudo muito rápido depois disso.

Dyrk empurrou a lady Gaelor para longe, levando a mão ao cinto da espada, mas antes que tivesse a chance de puxá-la, Siegfried já estava de pé, com o sangue fervendo, e partiu para cima dele.

O aço anão arrancou um pedaço da orelha direita do vice-capitão, quando ele tentou tomar distância e escorregou, caindo sentado na neve.

Ouviu-se um grito e Dyrk ergueu o braço em uma tentativa desesperada de bloquear o seu segundo golpe, mas tudo o que fez foi perder alguns dedos e deixar escapar um berro estridente, só calando a boca quando teve o maxilar quebrado com um novo ataque que deixou a sua boca em uma ruína de sangue e carne mole pendurada.

As memórias de Siegfried ficaram um pouco confusas depois disso e, quando finalmente voltou a si, o conde o chamava:

— Siegfried!

Mas o lorde não era o único ali, metade do salão veio com ele. A baronesa Kessel e seus homens, Emelia, Sam, Mirabel, dúzias de guardas e servas do Salão dos Poucos… E Dara.

Todos o encarando como se fosse algum tipo de animal selvagem que havia escapado de sua jaula e invadido o lugar.

Só então percebeu o que tinha feito.

Estava coberto de sangue, mas não era seu, por isso olhou para baixo e foi quando viu o cadáver de Dyrk estirado aos seus pés, embora fosse apenas uma dedução lógica baseada na última coisa de que se lembrava, porque jamais o teria reconhecido de outro modo.

Tinha aberto seu crânio com tantos golpes que, do queixo para cima, tudo o que restava era carne moída e miolos tingindo a neve de vermelho e negro.

Suas mãos também estavam em ruínas, embora não tão ruins quanto seu rosto; provavelmente ao tentar se defender dos golpes.

— Merda…

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