Volume 1

Capítulo 0030: O mercador de escravos

Atualizado em: 09 de julho de 2023 as 06:19

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O porão da taverna era maior que o próprio estabelecimento, uma gruta macabra com paredes de pedra e terra batida.

— Que fedor é esse? — perguntou Emelia, com as mãos em volta da boca e do nariz, espirrando descontroladamente.

Siegfried reconhecia bem o odor.

Sangue, fezes, urina, lama, suor e carne podre misturados até se tornarem uma coisa só. Sentiu falta também de outros; fumaça e cavalos. Não que mudasse muita coisa.

— É cheiro de morte — disse por fim.

Desceram os degraus de madeira podre com cuidado. Algumas delas já estavam quebradas há muito tempo, outras esperaram para ceder assim que Siegfried pisou nelas.

Uma infestação de pequenos insetos fugiu rastejando como uma onda batendo contra os seus pés. Emelia soltou um grito e caiu nos braços de Siegfried, que estava logo na frente da garota.

Depois disso ela se aninhou nele e o rapaz teve de levá-la no colo até descerem as escadas. Quando chegaram ao final, Gwen encontrou um braseiro em meio a escuridão e o acendeu.

A visão era pior que o cheiro.

Gaiolas de ferro decoravam o lugar, algumas com animais selvagens como lobos, lagartos das sombras e qualquer coisa com dentes afiados, rosnando e se jogando contra as barras de ferro, na esperança de que elas cedessem.

A maioria, no entanto, estava cheia de mulheres de todas as idades; as mais novas eram tão pequenas que nem sequer tinham aprendido a falar ainda, enquanto as mais velhas já estavam desdentadas.

Haviam também garotos, nunca maiores de treze anos, exceto por um adulto coberto por cicatrizes, que se assemelhava muito a um gladiador.

As jaulas de cada um eram grandes o bastante apenas para que permanecessem sempre de pé ou sentados, de acordo com a forma das grades. Aos seus pés, mijo e fezes. Não devia lhes ser permitido sair das jaulas.

Aqueles que estavam ali a mais tempo, pareciam meio mortos, com profundas olheiras, pele pálida e uma crosta de sujeira, sangue e suor pregada à pele. Estes nada faziam além de observá-los com olhos vazios e cansados.

A visão fez Siegfried lembrar de Gwen, quando a encontrou na prisão, mas até na época ela parecia mais bem-cuidada do que eles, tal como aqueles que estavam ali a menos tempo.

Estes tinham os cabelos desgrenhados e tremiam de medo, mas estavam saudáveis e o medo que sentiam mostrava que ainda estavam vivos.

Emelia congelou ao ver uma garota mais ou menos da sua idade em uma gaiola. Seus olhos sem vida encaravam o nada, enquanto as moscas a rodeavam como uma nuvem negra.

— Emelia? — Siegfried chamou, mas ela não o escutou.

A garota se dobrou e então começou a respirar rápido e com dificuldade, como se estivesse cansada. Seu rosto ficou pálido e molhado de suor.

— N-não consigo… — A voz dela saiu fina e quase inaudível. — N-não… Ar… Ar!

A filha do conde perdeu a força nas pernas e Siegfried a pegou antes que caísse no chão, enquanto ela o olhava com lágrimas nos olhos, segurando seu peito e implorando… Pelo quê? Ele não sabia dizer.

A levou de volta até as escadas e a garota foi se acalmando aos poucos.

— É minha culpa — disse, quando finalmente encontrou a voz, mas falava consigo mesma. — É minha culpa. Se eu não tivesse… Elyon, me perdoe. É tudo minha culpa.

— Mira! — gritou Sam, bem distante e fundo nas grutas.

Siegfried deixou a filha do conde sozinha com os seus lamentos e foi até o irmão dela. O encontrou tentando quebrar um cadeado do tamanho do seu punho.

— Eu vou te tirar daí — disse o garotinho, dando golpes no metal com a sua espada.

Mirabel estava sentada em uma gaiola de ferro pequena demais até para um cachorro. Com o seu vestido azul desbotado, tão sujo quanto ela mesma; seus olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.

Ela olhou para Siegfried, sem dizer nada, como se o rapaz pudesse fazer algo a respeito. Não podia. O cadeado era grosso demais para se quebrar, mas ele conhecia alguém que não teria problema nenhum com isso:

— Gwen!

A única resposta que obteve foi um grito horrível e o som de ossos se quebrando. O rapaz foi até a fonte e encontrou a garota segurando um molho de chaves, enquanto o taverneiro corcunda se contorcia de dor aos seus pés.

— E-essa vadia quebrou meu braço — reclamou o velho.

— Devia ter me dado as chaves — ela respondeu.

— Eu dei!

— Na próxima, dê mais rápido.

Levou apenas alguns instantes para encontrarem a chave correta e abrirem a gaiola de Mirabel. A garotinha estava com as pernas dormentes pelo tempo que passou sentada na mesma posição, mas ainda assim encontrou forças para cair nos braços de Sam e chorar.

— E-eu não sabia — disse o taverneiro —, juro! Achei que fosse órfã, não faz ideia de quantas pestes correm soltas por essas ruas.

— Nisso você tem razão — respondeu Siegfried. — Não fazia ideia de que tinha esse tipo de lixo por aqui.

— Não sabia, juro. Jamais teria tocado um dedo nela, se soubesse. Tem que acreditar. Não lhe fiz mal algum. Tem que acreditar.

— Não tenho que fazer nada! É um rebelde.

— Não sou, juro!

— Você jura bastante pra um vendedor de escravos.

— Não sabia quem ela era e não tenho amizade por rebeldes. A encontrei atrás do templo, duas noites atrás e a trouxe comigo. Era uma garota de rua… Qu-quero dizer, na época pensei que fosse. Era nova, mas não muito. Teriam pago um bom preço por ela. Garotas são bem tratadas se forem comportadas. Comida, roupas bonitas e um teto sobre a cabeça. Estava fazendo um favor a ela. Tem que acreditar. Não sou má pessoa. Ia ajudá-la.

— Como ajudou as outras garotas?

— Não é culpa minha. É o inverno. Não temos muitos clientes no inverno. E é difícil pra mim alimentar todas. As mais bonitas, sim, e as bem-comportadas. Não posso cuidar de todas. De qualquer forma, teriam morrido em alguma ruela, se não fosse por mim.

Siegfried já tinha ouvido o bastante, então puxou a espada e o velho caiu de joelhos.

— P-por favor, lhe imploro. Em nome de Elyon. Nunca fiz mal algum à menina. Não sabia quem era e mesmo assim não lhe fiz mal. Tem que acreditar.

— Se isso é verdade — disse Gwen —, fale dos rebeldes.

— C-claro. Qualquer coisa. O que quiser saber, mais bela e gentil das donzelas.

— Huh? Parece que ele finalmente aprendeu como tratar uma garota, né? — Ela sorriu. — Como te acharam?

O homem hesitou:

— T-todos sabem que tenho as melhores mercadorias, doce senhora.

— E todos sabiam que você tinha a sobrinha do conde?

— Como? Não! Claro que não! Não fazia ideia de quem era a menina até agora, juro. Uma órfã. Era tudo o que pensei que fosse. Tem–

— ‘Que acreditar em você’. É, eu sei. Gosta muito de dizer isso, não?! De qualquer forma. Você diz que não fazia ideia de quem ela era, mas aqueles homens lá em cima sabiam muito bem. Algo não está certo. Se você não lhes disse quem era, como sabiam sobre ela?

— Não sei, juro! Tem que… Glup. Quero dizer. Nunca os vi antes. Vieram ontem à noite, procurando por uma garota de cabelos loiros. Mostrei todas as que tinha, mas nem se importaram, até que a viram. Um deles jurava tê-la reconhecido. Temi que fossem parentes, às vezes… I-isso não importa. Acontece que não eram parentes, coisa nenhuma. Me ofereceram uma moeda de ouro por ela, mas me fizeram mantê-la aqui até poderem levá-la em segurança, em dois ou três dias, foi o que disseram. Estou dizendo a verdade.

Siegfried e Gwen trocaram olhares.

— Eles sabiam que ela tinha saído — ele disse.

— E como ela se parecia — ela acrescentou.

— Então sabem que nós estamos aqui.

— Não sabiam quando chegamos, ou não teriam sido pegos de surpresa. Mesmo assim, é melhor voltarmos logo. E quanto aos outros?

— Ficaram trancados aqui por sabem-se lá os deuses quanto tempo, acho que aguentam mais algumas horas. Vou avisar ao conde e então retornamos para libertá-los.

— Bom, acho que já tá tudo decidido, então. Pode matar o velho agora, se quiser.

Siegfried olhou para o taverneiro:

— Eu quero. — Ele deu um suspiro e guardou a espada. — Mas não cabe a mim determinar sua punição.

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