Volume 1

Capítulo 0026: A menina do beco

Atualizado em: 21 de maio de 2023 as 16:19

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Ainda amanhecia quando desceram até o vilarejo, mas as ruelas já estavam bem movimentadas.

Com as colheitas terminadas, os plebeus agora desfrutavam dos últimos dias de outono, antes que a neve os prendesse em seus casebres até a primavera.

As crianças corriam, os jovens flertavam, os adultos bebiam e os velhos reclamavam de cada um deles.

Enquanto o Salão dos Poucos crescia em tensão com a execução de um nobre e a ameaça que os rebeldes representavam, o clima era de festa no vilarejo. Mesmo quando a multidão se esforçava para sair do caminho, ainda era impossível não topar com alguém.

Uma mulher de cabelos castanhos esbarrou em Siegfried e quase caiu no chão, quando o rapaz segurou ela pelo braço e a pôs de pé.

— Ah, obrigada — agradeceu a moça, com um sorriso lascivo que fez o seu sangue ferver. Não devia ter mais do que vinte e poucos anos, com um decote pouco apropriado para o clima frio.

"Essa já é a terceira."

Quando ele tentou seguir em frente, ela segurou o seu braço e se aproximou, até colar seu corpo ao dele:

— Não seja assim, por que não vem comigo e me deixa te agradecer corretamente? — Ela deu um beijo no seu pescoço e sussurrou em seu ouvido: — O que acha?

— Ele não tem dinheiro, cai fora! — disse Gwen, afastando a mulher com um empurrão e então segurando o braço de Siegfried, enquanto o conduzia para longe. Sem as correntes em seus tornozelos, ela se movia rápida e graciosamente, como uma gata. Não levou mais do que alguns segundos para que a rameira voltasse a esbarrar em outro garoto, mas dessa vez o levou até uma porta. — É sério, se você não parar de ser tão mané, elas vão continuar vindo.

— Eu não tô fazendo de propósito.

— Essa desculpa ficou velha, dois bordéis atrás. Então, a menos que você ache que a pirralha tá em um deles, para de esbarrar em vadias! Já dá trabalho o suficiente ter que prestar atenção na dupla de mini-fidalgos ali.

Siegfried olhou para trás.

Emelia e Sam os seguiam de perto.

O garoto andava de queixo erguido, enquanto a sua irmã não parava de girar a cabeça, olhando para todos os lados, como se temendo que alguém fosse atacá-la a qualquer momento. E ambos usavam roupas de boa qualidade; ele um gibão por baixo de uma capa de lã; ela um vestido verde-oliva por baixo de um casaco de pele.

"A condessa vai ficar furiosa quando descobrir isso."

Não esperava que alguém fosse idiota a ponto de atacar os filhos do conde, mas ainda assim não era uma boa ideia levá-los para fora da fortaleza sem permissão.

— Seria mais fácil se eu fizesse isso sozinha — sussurrou Gwen. — Vocês são muito lerdos e chamam atenção demais, é como andar com uma trupe de bardos itinerantes. Me dá um dia e eu acho a fedelha.

— Não me leva a mal — disse Siegfried —, mas você tá bem longe de ser confiável.

— Acha que eu vou fugir?

— Não vai?

— Se eu quisesse, já tava do outro lado do país a essa altura.

— É o que você diz, mas não escapou daquela cela, né?

— C-cala boca! Eu escapei sim. Só não consegui o que queria, então voltei.

Siegfried sorriu e ela deu um soco no seu braço.

— Para de rir! Eu tô falando sério.

Ele não parou, mas a garota não ligou. Seguiram o resto do caminho em silêncio por um tempo, até que Gwen sussurrou em seu ouvido:

— Ei! E se a garota já estiver… Bem, cê sabe?

— Ela está bem! — garantiu Siegfried. — Estamos a menos de cinco minutos do salão. Ninguém aqui seria louco o bastante de machucar a sobrinha do conde.

— Mas podem ser burros o bastante pra machucar uma garotinha de rua assustada. Eu duvido que eles saibam a diferença.

— …

Ela tinha razão.

O rapaz lembrou de Mirabel, uma garotinha de oito anos, sorridente e avessa a calçados. Tinha treinado ela no manuseio de espadas e a pequena demonstrou algum talento, mas não era burro. Se alguém tentasse machucá-la, conseguiria, mesmo que ela tivesse em mãos uma espada mágica feita com ossos de dragão.

— Vamos continuar procurando — respondeu por fim.

Gwen o encarou por um momento, como que tentando encontrar algo para dizer, quando parou de repente e começou a olhar ao seu redor.

— O que foi--?

— Cala boca! — Ela o ignorou, então soltou o seu braço e correu.

— Espera! — O rapaz tentou agarrá-la, mas foi lento demais. Ela deslizou por entre a multidão e aos poucos foi desaparecendo. — Merda!

— O que aconteceu? — perguntou Emelia, se aproximando dele com uma expressão confusa e assustada, enquanto olhava na direção em que Gwen correu, talvez esperando que ela voltasse. — Pra onde ela foi?

— Ela achou a Mira? — Ao contrário da irmã, Sam parecia mais animado e esperançoso.

— Não sei — admitiu Siegfried, então pegou os dois pelas mãos. — Vamos.

A multidão abriu caminho quando o rapaz forçou a sua passagem por entre eles. Alguns porque já o tinham visto de longe quando descia até a vila com o conde; outros, simplesmente para evitar problemas com um homem armado que tinha dois jovens bem-vestidos atrás dele.

Quanto mais dinheiro você tem, menos os plebeus querem se envolver.

Se você for um nobre, terá bandidos atrás de si. Se for um bandido, então serão cavaleiros. Seja qual for o caso, não faria bem a ninguém que estivesse por perto quando as espadas fossem brandidas.

Entraram em um beco estreito, onde mal cabia uma pessoa por vez e seguiram em frente, mas Siegfried já tinha perdido o rastro de Gwen, se embrenhado tão fundo no labirinto de casas, que nem sequer podiam ouvir o barulho da multidão atrás deles.

Foi quando notaram o sutil grito de terror de uma garotinha, mostrando para onde deviam seguir.

Viraram em outro beco, quase tão apertando quanto o anterior e finalmente chegaram até uma parte deserta do vilarejo; uma praça secreta entre as casas. Fedorenta e úmida, com espaço para não mais do que vinte homens adultos.

Se pusessem um teto acima do local, daria uma casa de tamanho decente, mas não havia nada ali, além de chão lamacento, ratos… E a Gwen.

A garota estava de costas para eles, com uma besta apontada para um homem calvo, bem para lá dos seus quarenta anos, ajoelhado com uma flecha espetada em seu ombro esquerdo.

— S-sua vadia! — rugiu o homem, com o rosto pálido e suado, enquanto puxava uma adaga de dentro dos seus calções e se levantava com um pouco de dificuldade, avançando aos tropeções e com um grito de raiva.

Gwen não precisou de mais do que um passo para o lado e então estava fora do alcance do homem, que passou por ela, perdendo um pouco do equilíbrio e cambaleando para Siegfried, que sacou a sua espada.

Queria apenas derrubá-lo. Uma pancadinha na sua mão e ele perderia a adaga, e talvez alguns dedos.

Mas quando Emelia soltou um grito de medo atrás do escudeiro, seu coração disparou e a lâmina se moveu sozinha.

O aço anão rasgou o homem do pescoço até as axilas e o cadáver caiu no chão, bem ao seu lado; então ouviu-se um baque e, quando olhou para trás, Emelia também estava caída, com o rosto pálido.

— Ela morreu? — perguntou Gwen, recarregando a sua besta e então guardando ela em seu casaco de pele.

— Não — respondeu Siegfried, checando o corpo da garota. Não era um sacerdote, mas podia sentir um coração batendo tão bem quanto qualquer um. — Deve ter desmaiado. O que você tava fazendo aqui?

— Eu vim atrás dela. — A garota olhou para um canto e o rapaz fez o mesmo; meio escondida entre as sombras da parede, havia uma criança toda encolhida e assustada.

— Mira! — gritou Sam, correndo até a menina, mas parou assim que chegou perto o bastante. — Não é ela. Vamos embora!

Gwen o ignorou e foi direto até a garotinha, se agachando e estendendo a mão, enquanto dizia alguma coisa que convenceu a menina a ir com ela.

Siegfried pegou Emelia no colo e foi até eles.

A garota não devia ter mais do que cinco ou seis anos, com cabelos castanhos embaraçados, tão sujos que quase pareciam pretos. Usava apenas um vestido de pano marrom, embora fosse difícil dizer se essa era a sua cor natural ou apenas o resultado de muita sujeira acumulada.

Era como se a tivessem jogado em uma latrina e então a tirado de lá, mas quando o viu, os olhos cor-de-mel dela brilharam e a menina abriu um sorriso que a fez parecer a garotinha mais bonita do mundo.

Mas não era Mirabel.

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