Volume 1

Capítulo 0022: Recompensa

Atualizado em: 23 de abril de 2023 as 16:16

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Não foi uma morte bonita.

A prata nobre era mortalmente leve e afiada, por isso a lâmina desapareceu em um som agudo, como se o conde brandisse uma espada invisível.

Então, no momento seguinte, a cabeça do traidor foi dividida ao meio em um corte perfeitamente reto, com a parte de cima deslizando para o chão.

Os guardas soltaram o cadáver e o buraco em seu crânio despejou sangue espesso, coberto por pedaços de carne, no assoalho de madeira, como uma jarra de leite velho que perdeu a sua tampa.

Os servos correram em busca de baldes e panos para limpar e remover o corpo, enquanto as mulheres da família Essel caíam aos prantos.

Viu a esposa de Kellen de joelhos, com o rosto vermelho e os olhos inchados de tanto chorar; ao seu lado, a pequena Mirabel apertava o peito com suas mãozinhas, parecendo ter se esquecido de como respirar.

Dara não derramou uma única lágrima e parecia incapaz de olhar para qualquer outro que não fosse Siegfried, completamente chocada com o que havia acontecido. Mas não triste.

O lorde brandiu a espada no ar, limpando o aço do excesso de sangue e formando uma linha vermelha no chão, antes de guardá-la de volta na bainha, como se nada tivesse acontecido.

A sentença de Dorian foi cumprida logo pela manhã, após o desjejum.

Siegfried assistiu ao lado do conde, enquanto os guardas traziam o prisioneiro. Havia passado apenas uma noite na cela, mas foi o bastante; suas roupas estavam sujas de lama e o seu corpo coberto por hematomas roxos após tentar resistir à prisão.

Como não tinham um poste apropriado para o açoitamento, amarraram uma corda em cada mão do prisioneiro, com um guarda puxando a outra ponta, até que os braços dele ficassem bem esticados.

— Era pra ter sido você. — Siegfried escutou uma voz aguda de mulher sussurrar, mas quando olhou ao redor, viu uma multidão de testemunhas e não sabia dizer quem foi.

Kethra, Dara e Mirabel estavam mais afastadas. Quando a mãe das garotas percebeu que o rapaz a observava, seu rosto empalideceu e ela desviou os olhos rapidamente, como uma criança assustada que se esconde de um animal selvagem.

A condessa também não estava feliz com o que havia acontecido, mas não se atrevia a pôr em risco a autoridade do marido, dizendo o que não devia. Não em público.

Então o primeiro golpe estalou e Dorian caiu de joelhos com lágrimas nos olhos, quando o couro do chicote rasgou as suas costas. Mas não lhes deu a satisfação de um grito… Pelo menos, não até a terceira chibatada.

— Você sabe o que isso significa — sussurrou a condessa ao seu marido, tomando o cuidado de manter os olhos no prisioneiro. — Minha irmã… Ela vai--

— Ela não vai fazer nada! — respondeu o conde, tão discretamente quanto a esposa.

— Ela acabou de perder o marido e você a faz assistir o açoitamento do próprio filho, enquanto esse… Mercenário, assiste tudo ao seu lado, mesmo depois do que fez à família dela. À minha família. Como acha que isso vai parecer? E se ela--?

— Ela não vai fazer nada!

— …

— Talvez tenha se esquecido, mas essa é a minha fortaleza. Estes são os meus homens. E se ela fugir, serão as minhas terras que terá de atravessar. Ela não pode fazer nada!

— Assim como Eradan? Ele também está nas suas terras. Livre.

— Humpf. Livre como um rato em seu buraco. Assim que puser a cabeça pra fora, eu a espeto em uma lança. Além disso, ele tem homens e treinamento militar, o que já é muito mais do que posso dizer da sua irmã.

— Ela tem a Dara.

O conde não respondeu, mas parecia preocupado.

A conversa morreu não muito antes da décima chibatada. Dorian acabou desmaiando quando chegaram na oitava, com as costas esfoladas quase até os ossos, não que fosse possível ver muita coisa com todo aquele sangue.

Os guardas soltaram as cordas, permitindo que o garoto caísse no chão, e o sacerdote correu para tratar das suas feridas.

— Não! — ordenou o conde. — De nada serve uma punição, sem as suas cicatrizes. Leve-o de volta à sua cela. Poderá tratá-lo amanhã, depois que entender as consequências de suas ações.

Foi exatamente o que fizeram.

Kethra levou Mirabel embora de imediato, mas Dara se deteve por um momento; foi a única da família que não derramou uma lágrima sequer pelo irmão, ao invés disso, passou o tempo inteiro observando o escudeiro com uma expressão tão fria que bem podia ter sido esculpida em mármore.

De um modo estranho, ela se parecia muito com um comandante avaliando o campo de batalha. Não haviam sentimentos envolvidos, apenas lógica.

Seu coração acelerou e ele deixou um sorriso escapar.

"Isso vai ser divertido."

Aos poucos, todos voltaram aos seus afazeres, até que restassem apenas Siegfried e o lorde, em um silêncio desconfortável que permaneceu por algum tempo, antes que o conde finalmente perguntasse:

— Tenho sua lealdade?

— … Eu dei minha palavra. Estou em dívida com vossa graça.

— Gostaria que me servisse por mais do que uma dívida. Por acaso não lhe dei o bastante? Talvez não tenha notado, mas sua posição na minha casa já é bem forte. É meu escudeiro e o favoreço… Alguns diriam que até demais. O que mais deseja? Ouro? Terras? Uma donzela?

"Mais", pensou, mas ao invés disso, disse:

— Nada que me possa ser dado.

— Tsc! Então que droga você quer?! Dane-se. Não importa. — O conde suspirou e então ficou mais calmo. — Aquele idiota realmente me tirou do sério. E tudo vai ficar ainda pior a partir de agora. Vou ter que arranjar qualquer coisa pra família dele. Uma boa casa pra sua viúva envelhecer cercada por servos e talvez algum bom casamento pras filhas. Aquele moleque vai ser mais difícil. Talvez eu consiga achar algum cavaleiro disposto a tomá-lo como escudeiro. O que já era difícil quando ele tinha os dois olhos e metade da audácia. Tsc! Seria mais fácil matar todos.

— …

— Minha esposa acha que eu devia ter sacrificado você. Deixado Dorian te esfolar pessoalmente pra manter a 'paz' entre as nossas famílias. Humpf. Tudo o que isso faria é me fazer parecer fraco. Quem respeitaria um lorde que abaixa a cabeça pros próprios vassalos?! Ainda assim… Uma disputa interna não me fará bem algum agora. Não com rebeldes se multiplicando nas minhas terras e a guerra batendo à minha porta. Preciso de mais força. Mais lealdade.

— Eu--

— Nem precisa terminar. Não duvido da sua. Mas quero mais do que um homem que me segue por uma dívida. Afinal, o que acontece quando ela for paga?! Não. Quero mais do que isso. Quero um voto. Quero que seja meu braço direito… E é isso o que pretendo conseguir. Vamos.

O conde o levou até uma cabana do outro lado da fortaleza. Siegfried nunca tinha entrado nela, mas sabia exatamente a quem pertencia; ficava ao lado da cozinha e vez ou outra pegava algum guarda engraçadinho tentando espiar lá dentro.

Os aposentos das servas.

— O que a gente tá fazendo aqui?

— Um título de escudeiro é bom — disse o lorde. — Mas acho que você merece uma recompensa melhor.

O conde abriu a porta de madeira e entrou, com o rapaz seguindo logo atrás. Mesmo com as velas, estava um pouco escuro e levou um instante até que seus olhos se acostumassem com a diferença de claridade.

— Já tá bom, droga — reclamou uma voz familiar. — Me deixa!

Quando a viu, sua mente ficou em branco e ele não conseguiu encontrar palavras para dizer.

A garota de olhos azuis estava tentando afastar três servas que ajeitavam suas roupas e cabelo. Não que houvesse muito o que precisasse ser ajeitado.

Da última vez que a viu, tinha uma densa crosta de sujeira cobrindo seu corpo com lama, poeira e sangue, colados à pele pelo suor. Agora estava limpa e cheirava a rosas. Sua pele de ébano lisa e perfumada; seu cabelo castanho preso em uma trança única, decorada com flores.

Também parecia mais saudável. A garota que viu na prisão era magra como um pedaço de pau, a beira da desnutrição, mas a que estava na sua frente agora, tinha ganhado alguns quilinhos e não parecia mais um meio-morto-vivo.

Tinham lhe dado um vestido de seda branca sem mangas e que mal passava dos joelhos; a luz das velas tremeluziu por um instante e o tecido ficou quase transparente, revelando o corpo desnudo por baixo da roupa. Curvas suaves que fizeram o coração de Siegfried palpitar.

Quase não reparou nas correntes folheadas à prata que ela tinha em seus tornozelos delicados.

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