Volume 1

Capítulo 0008: Quanto vale um mercenário?

Atualizado em: 15 de janeiro de 2023 as 12:51

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O sol já tinha aberto o seu caminho pelas nuvens cinzentas e voltado a recuar antes que Siegfried estivesse pronto.

Brynna não era mais que um ano mais velha, mas foi uma serva praticamente a sua vida inteira, por isso era muito hábil em questões de etiqueta.

Quando ela terminou, o mercenário mal se reconhecia.

A garota cortou e penteou seu cabelo até que as mechas rebeldes desaparecessem, dando lugar a fios negros desembaraçados que ela prendeu em um coque; muito parecido com o que tinha visto o conde usar no banquete.

Também lhe deu roupas novas. Uma calça preta de lã, botas de couro curtido e uma blusa vermelha de algodão por baixo de uma brigantina.

— Você está me dando uma armadura?

— Ordens do conde.

— Hum.

— Mas não vai tendo ideias idiotas, não. Sua graça vai estar cercada de besteiros e guardas. E eles não vão muito com a sua cara. Só precisam de uma boa desculpa pra encher a sua bunda de flechas.

Siegfried tocou na armadura.

O couro negro era macio, mas dava para sentir as placas de metal em seu interior. Supunha que deviam ser de material inferior, mas duas pancadinhas o fizeram mudar de ideia.

O conde era um homem estranho. Não é comum que os nobres tratem tão bem os seus prisioneiros. Ainda mais os de baixo nascimento.

"Ele vai fazer alguma coisa. E eu sei que não vou gostar nada disso."

A garota o deixou a sós com seus pensamentos por um momento e então retornou trazendo dois guardas; estes não lhe puseram algemas e tão pouco o tocaram, ao invés disso, o escoltaram em silêncio pela fortaleza, embora não parecessem felizes com isso.

— Boa sorte — gritou Brynna, sorrindo e acenando conforme se afastavam.

Encontraram o conde treinando em um terreno atrás do grande salão.

Assim como os outros soldados no campo de treinamento, tinha o peito desnudo e exposto ao vento frio que soprava. Uma parte dos guardas treinava com arco e flecha, enquanto a outra duelava com espadas de ferro e escudos de madeira.

O próprio lorde estava mais distante dos seus homens, praticando golpes de espada em um tronco de árvore já bem desgastado que havia sido instalado em uma área mais ampla, limpa e com pouco movimento.

Por um momento, pensou que devia ser apenas uma questão de foco; talvez ele não gostasse de ser interrompido e preferia se manter distante dos outros. Mas, vendo seus movimentos amplos e o alcance absurdo da sua lâmina, provavelmente eram seus homens que temiam serem cortados ao meio por um golpe qualquer de sua espada.

Ou melhor…

"Minha espada," Siegfried notou.

O maldito empunhava a sua lâmina para treinar.

"Depois que me matar, ele vai ficar com ela, não é?", pensar nisso o deixou enjoado.

Cada golpe de sua lâmina arrancava pedaços de madeira cada vez maiores, fazendo lascas finas voarem e o tronco tremer como se estivesse prestes a ceder.

O conde deu um rugido e o aço anão arrancou o topo da estrutura em um único corte, fazendo o pedaço voar e rolar para longe.

"Até esse tronco tem mais bom senso do que eu. Está até fugindo."

Detestava admitir, mas a espada parecia ainda mais mortal em suas mãos.

— Vossa graça — chamou um dos guardas que conduziam o mercenário. — O prisioneiro, como ordenado.

— Ah, aí está você. — O conde interrompeu seu treino e então virou-se para eles, sorrindo. — Bom trabalho, eu assumo daqui.

Os soldados trocaram olhares por um momento, antes de obedecerem. Já haviam permitido que Siegfried atacasse seu senhor uma vez, o que lhes aconteceria se isso voltasse a se repetir? Bem, o lorde não parecia tão preocupado com isso, apoiou a lâmina no ombro e disse:

— Olha pra você. Quase parece um homem de verdade. O que um bom banho quente não faz, não é mesmo?

— …

— Nada?! Vai só ficar aí me encarando? Achei que um rapaz ousado como você fosse um pouco mais… Eloquente.

— O que você quer?

— Ah, aí está. É isso o que quero. Conversar. E então, quanto o jovem Eradan está pagando aos seus homens?

— … Cinquenta moedas de cobre.

— Cin… — O rosto do lorde franziu, em parte descrença, em parte fúria, e as palavras ficaram presas na sua garganta. — Cinquenta!?

— …

— Humpf. Esse moleque. Qualquer homem louco o bastante para me desafiar deveria receber o seu próprio peso em ouro, só pela ousadia. Terei de lhes lembrar disso. Mas como alguém feito você se vende por cinquenta moedas de cobre? Já vi rameiras tão velhas que os seios chegavam até os joelhos cobrarem mais por seus serviços.

— As companhias ficam com os melhores contratos e eu não faço parte de nenhuma. O que isso tem a ver com--?

— Então vai ficar feliz com a minha proposta. Cinquenta moedas de cobre. Francamente! Você vale mais do que isso. Jure fidelidade a mim, torne-se meu escudeiro, mate meus inimigos e, ao seu tempo, terá uma recompensa digna de seus feitos. Planejo matar muitos traidores nos anos que virão e precisarei de homens leais para cuidar de suas fortalezas. Se casará com a filha ou irmã de algum deles, tenho certeza de que achará uma que seja do seu agrado. Uma boa esposa e um baronato com terras férteis e servos para cultivá-la, nada mal, não é? Seus filhos vão crescer em um belo salão e comandar soldados para sua causa, ao invés de morrerem pela glória de outros. E daqui a algumas gerações, quem sabe?! Seus descendentes podem angariar ainda mais poder e influência, se forem espertos. Que isso lhe parece?

— … Que eu dei a ele minha palavra.

— Mercenários são conhecidos por quebrarem suas palavras.

— Os guerreiros de Qaredia não.

— Não. Não são. — O conde sorriu. — E é por isso que estou lhe fazendo esta proposta, rapaz. Talvez não tenha notado, mas sua vida está por um fio. Sua honra é algo que me agrada, mas não tenha ilusões, se recusar minha oferta, só há uma forma disso acabar pra você.

— A honra não é um casaco que você veste quando tem vontade e tira quando se sente desconfortável. Não vou trair minha palavra por medo da morte.

— Palavras bonitas, mas é realmente isso o que quer? Morrer por cinquenta moedas de cobre? Não, me desculpe. Morrer pela promessa de cinquenta moedas de cobre.

— …

— Seja razoável, garoto. Você é jovem, aposto que não se tornou mercenário pra comprar pão. A maioria sonha com castelos e donzelas, bom, eu lhe ofereço ambos. Ou talvez deseje glória? Isso eu também posso lhe dar. Isso e muito mais. Tudo o que peço é sua lealdade.

Siegfried olhou ao seu redor, para as flechas que acertavam homens de palha a vinte metros de distância; para os soldados que cruzavam suas lâminas no pátio; e para os muros que o prendiam ali com cada um deles.

Tinha dúvidas, e o conde pareceu notar.

— Prefere falar de honra?! Tudo bem, o que a sua diz quanto às dívidas de sangue? Eu poupei sua vida, ontem a noite e bem antes disso, no Forte dos Demônios. Que diz sua honra sobre isso?

— … Diz que devo pagar minha dívida.

— Então estamos entendidos.

O lorde esticou o braço, devolvendo-lhe a espada. Seus olhos se cruzaram e o rapaz não encontrou nenhum vestígio de medo em seu rosto.

Sem a espada bastarda de Siegfried, o conde estava completamente desarmado. Não usava armadura alguma e estava dentro do alcance; seria impossível recuar a tempo.

"Ele não me teme. E por que temeria?! Estamos em sua fortaleza, cercados por seus homens… E já me derrotou duas vezes."

Ele encarou a lâmina e mil formas de matá-lo passaram por sua cabeça. E todas terminavam do mesmo jeito.

"Não vou trair minha palavra por medo da morte."

O mercenário sorriu.

E então pegou a espada.

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