Volume 1

Capítulo 0005: O banquete de Gaelor

Atualizado em: 12 de janeiro de 2023 as 18:46

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As paredes do salão eram de madeira grossa e de boa qualidade, do tipo que mantinha o frio do lado de fora; nem uma única brisa era capaz de invadir, e as tochas mantinham o ar quente e acolhedor, abraçando o corpo de Siegfried como um grosso cobertor de pele.

O local era também muito grande, o bastante para abrigar cem homens com muito conforto, mas não havia nem mesmo um terço disso, no momento, o que dava a impressão de ser ainda maior.

Duas grandes mesas estavam dispostas no centro, entre os pilares de madeira, onde os fidalgos comiam e conversavam, enquanto os servos traziam bandejas com caldo, porco assado, geleia e garrafas de vinho para encher as taças e canecas.

No fundo do salão, havia dois assentos lustrosos posicionados em um estrado de madeira que os elevava acima dos demais; um trono negro adornado com entalhes de ferro, ao lado de outro menor e mais humilde, forrado com almofadas vermelhas e que parecia ser bem mais confortável. Ambos estavam vazios, mas à frente ficava uma fogueira que os separava das mesas longas e, na parede atrás deles, encontrava-se um estandarte com a imagem de uma mão vermelha segurando uma adaga em fundo verde.

Siegfried foi amarrado a um dos pilares, meio escondido nas sombras, para que os seus ilustres anfitriões não perdessem o apetite com um mercenário encardido e meio-morto.

Viu um garotinho correndo pelo salão com uma espada curta de aço, fingindo enfrentar algum dragão imaginário ou cavaleiro poderoso; isso lhe deu algumas memórias. Atrás dele vinha uma garotinha descalça de cabelos loiros e vestido azul, tentando acompanhá-lo com um sorriso no rosto.

Eram as únicas crianças no grande salão, ainda assim, eram duas a mais do que o mercenário esperava encontrar.

Em um canto mais afastado da mesa, três donzelas, mais ou menos da sua idade, riam e jogavam conversa fora. Assim como as crianças, não pareciam ter notado quando os soldados o trouxeram.

Mas o que realmente importava eram os homens-de-armas.

Dentro do salão, havia apenas um punhado de soldados. Estes não estavam de guarda, mas bebendo e conversando como os fidalgos. Ainda assim, estavam armados e sóbrios o bastante para defenderem os nobres de qualquer ameaça; de vez em quando um ou outro lançava um olhar para Siegfried, como que para garantir que ele ainda estava lá e não fazendo alguma burrice.

Contou também três cavaleiros, incluindo o capitão que tinha saudado o retorno de seu senhor e parecia ser o mais forte dentre todos os outros, incluindo soldados e fidalgos.

“Isso vai ser divertido.”

Estava fraco demais para contar a quantidade de inimigos quando chegou, mas pela forma como descarregaram a carroça e levaram os cavalos antes mesmo que o seu senhor tivesse tempo de entrar no salão, certamente eram muitos. Pelo menos cinquenta homens, talvez cem. Isso sem contar o pelotão de soldados esqueletos que não devia estar muito longe, e os muros de madeira que seriam impossíveis de se escalar na sua condição atual.

E tinham levado sua espada. Isso o deixou mais irritado que tudo.

Estava olhando para a porta que ficava ao lado do trono, quando sentiu a ponta de uma espada sendo pressionada contra sua garganta, fazendo um fino fio de sangue escorrer pelo seu pescoço.

— Você! Camponês! — chamou o garotinho, com o rosto mais feroz que uma criança de nove anos podia fazer. — Estão dizendo que foi você quem quase matou meu pai. Eu não acredito!

— … E daí?!

O rosto do pequeno guerreiro ficou vermelho como um tomate e a garotinha que vinha atrás dele deixou escapar um risinho. Siegfried também sorriu; gostava de crianças. Gostava ainda mais de provocá-las.

— 'E daí'?! Eu não vou aceitar desrespeito. Não vindo de um plebeu! Você sabe quem eu sou?

— Algo me diz que já vou descobrir.

— Eu sou Samuel Gaelor, filho do conde Gaelor, o Herói do Fronte Furioso e orgulhoso vassalo do Rei Negro! Minha família existe desde a aurora de Thedrit e foi autro… Autrobada… Outror… Ela recebeu a benção do próprio rei Elyon! E eu não vou deixar ninguém insultar nossa honra. Muito menos um camponês.

— Na verdade, sou um mercenário. E te garanto que não aro um campo desde que tinha a sua idade… Talvez um pouco menos.

— Mercenários são ainda piores! Vocês não têm honra, ou amor à pátria. Lutam por dinheiro.

— Você também lutaria, se não tivesse nascido em berço de ouro… Pequeno Sam.

A confusão atraiu a atenção dos demais. Os adultos não pareciam se importar; apenas um velho fidalgo se demorou mais do que alguns segundos antes de voltar à sua conversa, mas olhava para Siegfried e não parecia ter sequer notado o garoto. Os soldados riam de alguma piada que um deles contou e não estavam mais interessados nas crianças do que os nobres.

As únicas a darem atenção ao ocorrido foram as donzelas que viu mais cedo. A mais alta liderava suas amigas; assim como Sam, ela também tinha cabelos negros como a noite e olhos cor-de-avelã que brilhavam com a luz das tochas.

Quando elas se aproximaram, a menina que veio com o filho do conde correu para elas e abraçou as pernas de uma garota que se parecia muito com uma versão adolescente dela mesma; com longos cabelos loiros presos em uma trança e um fino vestido de algodão azul-esverdeado. Foi a única que ofereceu um sorriso ao mercenário.

A líder delas se aproximou do pequeno guerreiro e tocou em seu ombro:

— O que está fazendo? Não pode falar com os prisioneiros.

— Ele insultou nossa família! Tentou matar nosso pai e agora me trata como se eu fosse o filho de um sapateiro qualquer.

— F-foi você…? — Ela parecia ter visto um fantasma, mas quando se aproximou, Siegfried podia jurar que, por um breve momento, ela sorriu. — Minha mãe está desesperada, eu ouvi ela falando com o bruxo. Ela diz que meu pai quase foi partido ao meio por uma lâmina amaldiçoada. Que enfrentou um assassino enviado pelo rei Helmut e está à beira da morte.

De repente o rapaz notou que as crianças o olhavam com certo fascínio e terror, como se estivessem diante de alguma criatura mágica que só se ouve a respeito em contos infantis. Até o pequeno Sam parecia um pouco pálido com o que ouviu.

Siegfried sorriu:

— Não sou assassino nenhum e minha espada não é amaldiçoada, isso eu te garanto. Seja como for, pode ficar tranquila, o seu pai vai sobreviver. Se ele fosse morrer, isso já teria acontecido.

A garota parecia abalada com a informação, mas o seu irmãozinho tomou a dianteira:

— É-é claro que é mentira! Não tem como um mercenário matar um cavaleiro!

Do outro lado do salão, os adultos se reuniram para o retorno triunfante do seu senhor, que finalmente deixou o seu quarto acompanhado de sua esposa, uma mulher bonita de cabelos loiros, seios fartos e com um longo vestido vermelho que delineava as curvas do seu corpo.

Atrás deles vinha também um jovem sacerdote, mas quem se importa com isso?

"Merda. Até a mulher dele é bonita."

Tinha abandonado sua armadura negra por uma túnica vermelha de algodão e um casaco de pele de urso. Mesmo a sua barba e cabelo estavam agora limpos e presos em pequenas tranças.

Siegfried o observou, enquanto andava pelo salão com uma mão em volta da cintura de sua esposa e cumprimentava os fidalgos bajuladores com a outra, sorrindo como uma criança na manhã do seu aniversário.

Isso o irritou profundamente.

Claro, não esperava realmente que o ferimento tomasse sua vida, mas tinha esperança de que os deuses fossem bons e o sacerdote tivesse de amputar o seu braço.

Mas curá-lo completamente?

Sentiu um gosto ruim na boca.

O conde subiu no estrado e sentou-se no trono, com a esposa ao seu lado. Então o banquete teve início.

As crianças deixaram de lado o prisioneiro e mais servos vieram trazendo bandejas de comida; primeiro para o seu senhor e sua esposa, e então para os demais, começando pelos fidalgos, depois as crianças e finalmente para os soldados, antes de saírem em busca de mais pratos e vinho.

Então o salão se tornou alegre e caloroso, cheio de risadas e brindes.

As crianças voltaram a correr, as donzelas voltaram a cochichar e os adultos voltaram a bajular o conde, que parecia contente em lhes contar a respeito da grande batalha que teve no Forte dos Demônios e que quase ceifou a sua vida; embora Siegfried se lembrasse dela um pouco menos grandiosa e bem mais rápida.

Não demorou para que todos se esquecessem do mercenário, mesmo os soldados pareciam mais determinados em esvaziar suas canecas de vinho o mais rápido possível, do que garantir que ele continuava ali.

Apenas duas pessoas ainda pareciam lembrar dele; a filha do conde, que de vez em quando o olhava discretamente e então virava a cabeça sempre que seus olhos se encontravam; e um velho de longos cabelos grisalhos, que o encarava fixamente, até mesmo quando puxava uma garrafa de vinho e bebia tudo de uma golada só.

Siegfried decidiu que preferia ser observado pela garota.

— Aqui — Uma serva entornou uma caneca de vinho pela sua garganta e ele engasgou, tossindo e cuspindo um pouco fora. — Ei, meu vestido. Que desperdício, e eu ainda peguei um dos bons. Se você não quer, deixa que eu bebo.

"Só pode tá de sacanagem."

— Você!?

A garota de olhos azuis. Usava um vestido cinza e uma touca para cobrir os cabelos, assim como as outras servas, mas era ela.

— Que merda você tá fazendo aqui?

— Shhh. Fica quieto. Tá querendo me matar?

— Eu bem que devia.

— Sério? Vai ameaçar a única pessoa nesse salão que não quer te matar?

— …

— Eu ouvi umas coisas não muito legais sobre você, lá na cozinha. — Ela sorriu. — Ah, cara, cê não devia ter matado aquele escudeiro, é sério. E ainda deixou o conde te prender? Tsc, tsc, tsc.

Ela estalou a língua, enquanto balançava a cabeça em reprovação.

— Do que você tá falando?

— O garoto que você matou. Ele era o herdeiro do barão Frost. Cê sabe, aquele velho que tá te secando a noite toda.

— …

— Que azar. Já tá todo mundo falando. Parece que o conde vai te executar em um ritual aí ou algo do tipo. Alguma coisa sobre você virar um soldado zumbi ou sei lá. Mas tão dizendo que ele vai deixar o barão te torturar antes, cê sabe, vingança por você ter matado o filho dele.

— … Eu devia ter te deixado morrer naquela torre.

— Ei, eu não pedi ajuda. Na verdade, acho que me lembro muito bem de ter te mandado sair do meu caminho uma ou duas vezes. Não é minha culpa se você pensa com a cabeça de baixo.

— Eu não penso! — O rosto do mercenário ficou vermelho e a sua voz saiu um pouco mais alta do que pretendia.

— Então…?

— As coisas saíram um pouco de controle, mas eu não tava afim de ouvir os seus gritos quando eles começassem a te abrir feito um peixe.

Ela sorriu, não de uma forma meiga e gentil, como era esperado de uma donzela, mas com o típico escárnio que demonstrou por ele desde o seu primeiro encontro.

— Mas tô começando a me arrepender disso! O que você quer? Veio aqui só pra me provocar?

— Assim você me magoa. Não tá na cara? Eu vim te salvar.

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