Volume 1

Capítulo 0003: Até o fim

Atualizado em: 12 de janeiro de 2023 as 18:46

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O assoalho de madeira rangeu com os passos apressados da garota e então com cada salto dela, enquanto se esquivava dos soldados mortos-vivos.

De vez em quando, Siegfried escutava um gemido de dor e seus olhos se desviavam para procurá-la, mas o seu oponente era sempre muito gentil em lembrá-lo de onde a sua atenção deveria estar.

O cavaleiro avançou e ele interceptou. Aço se chocou, o som preencheu a sala por um instante, sincronizado com o trovão que esmagava a noite tempestuosa, e então desapareceu, antes de voltar a se chocar uma vez mais. E então outra. E outra.

Não bastasse a força física e constituição superior, o cavaleiro era também muito mais alto, obrigando o rapaz a manter sua espada erguida acima dos ombros o tempo inteiro; tanto para se defender dos ataques, como para desferir os próprios.

E o seu corpo já estava cobrando o preço.

O aço anão era particularmente resistente, não perdia em nada para a prata nobre que o seu oponente usava, e era infinitamente melhor do que qualquer espada de aço comum jamais poderia vir a ser. Mas era pesado.

Era muito pesado.

Sua mão ardia, seus ombros pulsavam e o braço tremia. Mesmo sem o corte em seu abdômen e a fratura no seu ombro esquerdo, o mercenário não aguentaria muito mais e sabia disso.

Lascas de madeira voavam com cada golpe do cavaleiro. O impacto atravessava o escudo e se espalhava por seu corpo. Quando precisava de um descanso, interceptava os golpes usando a sua espada e isso era ainda pior.

Sentiu os seus dedos arderem conforme o couro da empunhadura esfolava suas mãos, mas se manteve firme.

Não podia acertar o seu adversário, o melhor que conseguia fazer era manter a distância, usando golpes baixos para obrigá-lo a se afastar, mas a sala era pequena e ele não tinha para onde correr.

Dois passos para trás e esbarrou na mesa destruída; isso o obrigou a mudar de posição e avançar um pouco, apenas para se ver em desvantagem mais uma vez e voltar a recuar, desta vez dando de costas com a parede, depois tropeçando em um cadáver e quase caindo no chão, então esbarrando em um dos mortos-vivos que enfrentavam a garota e quase tendo a sua cabeça decepada antes de voltar a recuar.

A respiração vinha pesada e a saliva descia rasgando a sua garganta.

Aquela sala era uma maldita jaula.

— Vamos lá! — O cavaleiro sorriu, brandindo a sua espada com golpes cada vez maiores e mais fortes. — É só isso? Eu ainda tô me aquecendo.

"Cala boca."

Deu de costas com uma parede. De novo. Estava andando em círculos.

Sem opção, Siegfried respirou fundo e avançou.

Seu adversário balançou a espada para afastá-lo, mas o rapaz não podia fazer isso. Deslizou por debaixo do golpe, sentiu o vento frio passar a poucos centímetros da sua cabeça e seu coração disparou; ainda estava vivo.

No instante seguinte, estava atrás do seu adversário. Pela primeira vez, o tinha em uma posição totalmente exposta. Deuses, como teria sido bom se tivesse feito isso mais cedo.

Sua respiração pesou e ele abaixou o escudo, expondo o peito desprotegido. Não iria precisar dele agora.

Levantar a espada ainda era um esforço grande demais, mas era a cabeça que ele almejava, por isso chutou a parte de trás do joelho do cavaleiro e o derrubou; agora tinham a mesma altura.

Ignorando as pontadas de dor que sentiu em seu ombro, o rapaz girou o corpo inteiro e atacou, reunindo toda a força que lhe restava para pôr um fim ao duelo.

"Vai pro inferno!", quis gritar, mas a sua garganta estava seca como uma lixa e tudo o que saiu foi um grito com gosto metálico; parte fúria, parte dor.

O seu golpe desceu como um vulto e a espada desapareceu por um instante em meio a escuridão.

Sua mão ardeu e seus dedos sangraram quando o aço atingiu as placas de metal negro da armadura, que rachou e quebrou. A cota de malha se rompeu e as pequenas argolas de ferro se desprenderam, caindo no chão. O casaco acolchoado por baixo também rasgou e finalmente a sua lâmina dilacerou a carne por baixo das camadas de proteção, até encontrar o osso.

A espada afundou no ombro do cavaleiro, abrindo-o do pescoço até a parte superior do peito.

Não era o bastante.

Aquele bastardo maldito conseguiu evitar um golpe fatal.

Siegfried puxou a lâmina, mas ela se moveu apenas alguns centímetros, antes da mão enluvada do cavaleiro segurá-la; então foi como tentar mover um castelo.

— Isso. — Uma gargalhada preencheu a sala. — Essa sensação. Quando foi a última vez que eu enfrentei alguém assim?!

Enquanto ele se levantava, o mercenário firmou os pés no chão e deu um último puxão, libertando a lâmina e cambaleando para trás, ofegante.

O cavaleiro não se importou, virou de frente para Siegfried, tocou o ombro mutilado e sorriu:

— Por Elyon, garoto. Tem certeza de que é só um mercenário? Vamos lá, você pode me contar se tiver um pouco de sangue nobre nas suas veias. Talvez o bastardo de algum cavaleiro?

— …

— Deixa eu adivinhar, a vila da sua mãe foi salva por um fidalgo qualquer e ela lhe deu a sua virgindade como recompensa. Acertei?

— …

— Não?

Mesmo que perguntasse, Siegfried não conseguia responder. O esforço físico e a perda de sangue o tinham deixado esgotado. Ao invés disso, manteve a espada erguida o melhor que pôde e não desviou os olhos do seu oponente.

Isso pareceu diverti-lo.

— Você não é muito educado, não é mesmo? Bom, não importa. Ainda vai ser uma ótima adição ao meu exército.

— …

— Mas acho que você não vai se render, não é?

"Merda."

Siegfried se apressou em levantar o escudo. O esforço fez seu braço tremer e ele enrijeceu o corpo, buscando firmar os pés para ter uma boa base.

— É. Foi o que eu pensei.

O cavaleiro atacou, e quando viu aquela montanha de metal correndo em sua direção, o mercenário percebeu que ficar parado tinha sido uma péssima ideia, mas não tinha mais forças para recuar.

Foi como ser atropelado por um cavalo de guerra.

Se o ferimento em seu ombro havia surtido algum efeito, o seu algoz não deixou transparecer. Sua espada atravessou como uma lança; estilhaçou o escudo de madeira e dilacerou a carne do rapaz.

Sem uma armadura para protegê-lo, a lâmina não encontrou resistência alguma. Abriu a carne, rompeu os músculos, cortou órgãos e raspou os ossos, o trespassando como um pedaço de queijo velho.

Quando o cavaleiro puxou a espada, o sangue molhou o assoalho de madeira e Siegfried cambaleou para trás, dando de costas na parede. Seu corpo queria deslizar para baixo e cair no chão, suas pernas imploravam por um descanso e estava difícil de manter os olhos abertos, mas ele mordeu os lábios até sangrarem e permaneceu de pé.

Vendo pelo lado positivo, não estava doendo tanto.

Na verdade, não estava doendo nada. Podia ver o sangue escorrendo, seus braços tremendo, mas não doía. Só sentia… Frio.

Um pouco diferente. Não como a água da chuva tocando a sua pele, mas um frio que vinha de dentro para fora, subindo do seu estômago até se espalhar pelo resto do corpo.

Quando levantou o rosto, o cavaleiro estava vindo em sua direção, andando calmamente. Não. Ele estava… Cambaleando?

A visão do mercenário estava um pouco turva e escura, mas não haviam dúvidas, embora lutasse para manter uma expressão estoica, o rosto do seu oponente estava terrivelmente pálido e suado.

Siegfried sorriu.

Estava perto. Tão perto.

Já não sentia seus braços e um zumbido muito persistente atormentava seus ouvidos. Mas era esta a oportunidade que tanto esperava.

"Só mais um pouco."

O mercenário esperou até que ele entrasse no seu alcance e então empurrou a parede. O cavaleiro levantou a espada para interceptar o golpe, mas já estava perto demais.

A lâmina atravessou seu estômago.

A última coisa que Siegfried sentiu foi um golpe pesado na sua cabeça, então um gosto de terra na boca. Quando deu por si, estava caindo, mas não soltou sua espada. Sentiu o sangue quente molhar a sua cabeça e ouviu as botas de aço esmagando o chão de madeira, enquanto o cavaleiro cambaleava para trás, segurando as tripas com uma mão.

Tentou se mover, mas seu corpo não respondeu, se limitando a tremer e convulsionar com o menor esforço.

Então aquele assoalho pegajoso de sangue e sujo de poeira se tornou tão confortável quanto uma cama forrada com algodão; não que ele já tenha deitado em uma.

Mal conseguia manter os olhos abertos e tudo o que via era escuridão e algumas sombras se movendo de um lado para o outro. Mas apenas os seus pés.

Lembrou da garota. Onde ela estava? Não a tinha visto desde que se embrenhou na sua luta contra o cavaleiro. Provavelmente estava morta.

Tudo bem. Ele também estaria morto em alguns instantes.

Cinquenta moedas de cobre.

Sorriu.

Não era o suficiente nem para comprar uma cadeira de boa qualidade, mas foi o preço que pôs em sua própria vida.

"Merda."

Não conseguia controlar os risos, nem as lágrimas.

"Merda."

Tentou se mover mais uma vez, mas o seu corpo não respondeu.

Seus olhos encontraram a lamparina caída perto dele. O vidro estava rachado, mas não havia quebrado por completo, de forma que a vela ainda ardia lá dentro.

Encarou as chamas e lembrou de cabelos ruivos. Então tudo se tornou escuridão.

"Lura…"

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