Volume 3

Capítulo 108: Sob o dossel sombrio

Atualizado em: 10 de março de 2024 as 04:41

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Piscando múltiplas vezes, os olhos de Freud começaram a se acostumar com a luz do sol que atingiu sua face. A visão que lhe deu boas-vindas foi o fruto do movimento vertiginoso do trem, o qual não permitiu uma vista perfeita da paisagem.

Seus olhos se desviaram da janela, eventualmente pousando na dupla sentada nos assentos opostos ao seu próprio.

Com cabelos curtos prateados — Silver — a pessoa quem o fez sentir o gosto da derrota estava do lado mais próximo da janela, com os olhos fechados e parecendo estar genuinamente dormindo.

Ao lado dele, Hikari, uma jovem de cabelos pretos amarrados em um coque e de olhos azuis-gelo, tinha os braços cruzados e, sentindo o olhar de Freud, ela levantou uma sobrancelha.

‘Ela não fica entediada?’

O garoto tinha certeza de que não viu a kunoichi dormindo em nenhum momento da viagem, e eles já estavam aqui há um tempo considerável.

— Sim, eu tenho perguntas. — Respondendo ao olhar questionador da jovem, ele começou — Como por exemplo, para que canto do mundo estamos indo?

Apoiando as mãos na mesa de madeira que o separava do duo, Freud se inclinou na direção de ambos. Viagens longas não eram sua coisa, e com Silver tendo escolhido um trem dentre todos meios de transporte piorou tudo.

— E por que um trem? Existem milhares de meios de transporte melhores do que esse projeto de caixão feito de metal! — Sua voz ganhou um tom desdenhoso no fim da frase — Eu nem consigo ver nada além de um borrão pela janela!

— Então o problema é o trem? — A expressão da jovem não mudou, mas, por algum motivo, Freud sentiu como se ela estivesse desdenhando dele.

Descruzando os braços, Hikari alcançou uma tela que ficava próxima a porta de saída da cabine, tocando gentilmente e então navegando pelas opções disponíveis. Por alguns segundos, a vista apresentada pela janela mudou múltiplas vezes antes de se fixar em uma específica.

Diferente de antes, o raiju não sentiu mais os raios de sol alcançando seu rosto, apenas uma quantidade de luz agradável que preencheu o ambiente completo da cabine.

Olhando para a janela, ele viu algo completamente diferente dos borrões anteriores. Era a imagem de uma planície, repleta de flores distintas e duas montanhas gêmeas ao fundo, banhada gentilmente pelos raios de sol que aprofundaram a beleza que tal ‘arco-íris’ natural proporcionou.

— Melhor? — A voz neutra da jovem quebrou o transe de Freud, o fazendo voltar sua atenção para ela.

— Ok, eu admito que essa vista é bonita para cacete. Como eles conseguiram fazer isso? — Olhando de perto, foi possível ver que as flores estavam se movendo como se fossem afetadas por uma corrente de ar.

— Quem sabe? Esse tipo de tecnologia não é a minha especialidade. — Normalmente ela toma cuidado para evitar sistemas de segurança e não tinha tempo para apreciar esse tipo de coisa.

— Você é especialista em algum tipo de tecnologia?! — O raiju ficou sinceramente surpreso com a informação, mas a jovem apenas deu de ombros em resposta.

— Espera, estamos fugindo do assunto. — Chacoalhando a cabeça, Freud voltou ao ponto inicial — Você e Silver sabem para onde estamos indo mas eu não, como eu vou poder me preparar para isso?

Após um breve momento de silêncio, Hikari poupou um olhar na direção de Silver antes de se virar para o raiju.

— É um teste de adaptação e disciplina. — Observando a reação do jovem, ela respondeu antes mesmo dele perguntar — Antes de perguntar o que essas coisas têm a ver com sua situação, pare e pense um pouco.

Engolindo as palavras que estava prestes a dizer, Freud levou uma mão ao queixo e começou a pensar sobre isso.

‘Adaptação… Até que faz sentido’

O sorriso que Silver mostrou anteriormente revelou que eles não estavam viajando com boas intenções. Ser lançado em um local desconhecido, cercado por possíveis inimigos cujos números e habilidades eram desconhecidos para ele, era quase sinônimo de adaptação.

Fora que poderia ser uma referência à luta que tiveram no passado, onde a velocidade não adiantou muito contra ele.

‘Agora, qual desses seria o certo?’

Freud escolheu acreditar na primeira opção por duas razões bem simples:

Em primeiro lugar, fazia muito mais sentido mesmo quando considerado sua futura posição como braço direito de Lina.

Já o segundo motivo foi que Silver não poderia ser tão mesquinho assim, certo?

‘A coisa da disciplina segue na mesma linha, acho…’

Como um subordinado de Lina, ele teria que acatar suas ordens sem exceção, seja contra um ou mil inimigos.

— Entendi. E pensar que Silver estava me testando mentalmente enquanto eu pensava em treinamento físico… — O jovem decidiu prestar mais atenção às palavras do dragão prateado de agora em diante.

— Eu não fiz isso. — Escutando isso, Freud se virou para o garoto de cabelos prateados, cujos olhos agora estavam abertos — Hikari estava brincando com você.

Alguns segundos se foram enquanto o raiju assimilava estas palavras e, logo, o jovem olhou para a kunoichi embasbacado. Sua mente reuniu diversas palavras, mas nenhuma delas saiu e seu queixo despencou.

— Parece que você quebrou ele. — Silver olhou para Hikari com uma expressão de reprovação, porém seu tom e sorriso disseram o contrário.

Ciente disso, a garota rolou os olhos para o comentário, se reclinando no assento e fechando os olhos.

— Estou sem palavras… — murmurou Freud.

— Posso ver isso — comentou o dragão prateado — Enfim, sobre as perguntas que você fez para Hikari, acho que não há mal algum em te dar algumas respostas.

— Primeiro, escolhi um trem porque é o melhor meio de transporte para viagens longas.

Haviam meios mais rápidos de viajar? Sem dúvidas, no entanto, eles tinham tempo de sobra para resolver e também mereciam um descanso.

— Estamos indo encontrar um idiota que eu poupei alguns anos atrás. Ele me mandou uma mensagem implorando para morrer, então vou ajudá-lo com isso.

— Alguém que você poupou? — Novamente Freud estava surpreso, porém, o motivo era outro.

Silver ganhou o apelido de ‘demônio prateado’ durante sua passagem no coliseu por um motivo, e não foi permitindo que os outros vivessem.

— Me ofende você pensar que não posso poupar um inimigo… Mas deixando isso de lado, ele com certeza vai ter um número considerável de subordinados então é melhor se preparar.

Deixando o raiju a esmo em seus próprios pensamentos, observou a paisagem através da janela.

‘Não é tão ruim’

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Leves fios de luz atravessam a densa folhagem das árvores presentes no local, as quais erguiam-se imponentemente sobre todo o terreno, como se estivessem apresentando-se como as donas do lugar.

O dossel exposto pelas mesmas tornou o clima abaixo delas sombrio, com a visão de qualquer transeunte sendo limitada e dependente dos poucos raios de sol que conseguiram escapar da densa folhagem que cobria a floresta.

Dentre a trilha no solo, três figuras constantemente se tornavam visíveis ao atravessarem um feixe de luz, antes de serem abraçadas novamente pela escuridão.

— Sou só eu ou parece que estamos sendo observados? — A voz de Freud foi abafada levemente pela máscara de lobo que estava usando graças à insistência de Silver.

De acordo com ele, seria preciso o uso do disfarce para evitar que seu envolvimento neste assunto fosse descoberto, pois isso poderia recair sobre a família Woods. Quando o raiju argumentou que suas habilidades eram ‘únicas e facilmente reconhecíveis’, o dragão prateado apenas rebateu com um ‘então não as use’ finalizando completamente o assunto.

Hu Huuuu!

Antes que houvesse uma resposta para sua pergunta, um som estranho chamou a atenção do trio.

Desde o início da caminhada, a floresta estava anormalmente calma. Sem qualquer canto de pássaros ou mesmo o transitar de animais.

Voltando os olhos para o causador do barulho, eles encontraram uma coruja. Suas penas eram brancas com manchas cinzas adornando sua figura porém, seus olhos foram a parte mais anormal dela. Ainda que seguissem o padrão proeminente em qualquer outra, toda composição do seu olho foi coberta em um preto profundo, com padrões confusos de linhas azuis.

Em um piscar de olhos, Silver reconheceu o animal e seu corpo se moveu instintivamente para o lado, seguido de um assovio ensurdecedor que deixou uma linha vermelha em sua bochecha.

Ao mesmo tempo, Freud tentou agarrar o projétil estranho com ambas mãos, sendo arrastado por alguns metros em retorno. Hikari por sua vez agachou, fazendo com que seu coque fosse desmanchado.

Sem tempo para descanso, o reflexo de diversos projéteis pôde ser visto, todos disparados na direção do trio.

Porém, nenhum deles alcançou seus alvos, permanecendo suspensos no ar. A expressão gelada de Hikari se desmanchou em um claro desdém a tentativa.

Olhando mais de perto, era possível ver linhas obscuras enroladas em cada projétil.

As sombras eram o domínio da kunoichi então, para ela essa situação foi muito mais do que risível.

— Ter atiradores seria incômodo, pode lidar com isso? — Após Silver pronunciar essas palavras, o corpo da garota se desfez dentre a escuridão.

Nenhum outro projétil foi atirado e, em algum momento, a coruja de olhos estranhos havia desaparecido sem fazer barulho.

— Tudo certo aí? — Voltando-se para Freud, o jovem perguntou.

— Sim… — respondeu o raiju em um tom baixo.

Suas palmas estavam queimando pela fricção com o que ele veio a descobrir ser uma flecha. A sensação não era nenhum pouco agradável, e o garoto pensou que talvez teria sido melhor ter desviado.

— Que bom, porque… — A frase de Silver foi interrompida pelo movimento de seus braços, os quais se esticaram agarrando algo aparentemente invisível.

— Argh! Por que não me deixa cortar seu pescoço logo?! — O tom na voz do homem era como o de uma criança mimada pedindo por um brinquedo novo.

Sem se dignificar a responder tal pergunta idiota, o pé do jovem atingiu o peito do intruso com força, abrindo uma distancia considerável entre eles.

— Sigh, eu sempre te digo para ser mais paciente. — Os passos de uma segunda pessoa soaram com o leve crepitar da grama, e a figura se aproximou cada vez mais.

De propósito ou não, ambos pausaram em um dos pontos de luz que havia na floresta, revelando suas reais aparências após se desprendendo da área obscurecida do local.

Aquele que foi atingido por ele tinha uma estatura alta e uma presença imponente. Seus olhos tinham uma cor castanho-escuro e seu cabelo era longo e ondulado, repousando sobre seus ombros. Em seu punho estava uma espada larga e em seu corpo uma armadura leve.

O dono dos passos por sua vez, tinha uma figura esguia, seus olhos afiados eram banhados em um tom de azul intenso. Com cabelos pretos bem penteados que salientaram a cicatriz acima de sua sobrancelha esquerda e rosto angular, o homem levantou seus punhos revelando o soco inglês que cobria ambos, os quais ele ajustava quase compulsivamente.

— Qual você prefere? — perguntou Silver, sem tirar os olhos dos inimigos.

Observando a dupla a frente, Freud se recordou de uma cena que viu durante a última fase. Foi um massacre de um lado só que teve uma montanha de músculos como protagonista.

— O grandalhão.

— Sério que vocês estão discutindo isso na nossa frente? — Incrédulo com a situação, o homem de cabelos pretos questionou — Nosso alvo é apenas o idiota de cabelo prateado. Ignora o outro.

A última frase foi voltada ao seu parceiro, o qual franziu levemente ao escutá-la.

— Vai fugir de um desafio? — Os lábios do raiju se curvaram em um sorriso e, embora não pudesse vê-lo, o homem de cabelos castanhos sentiu seu orgulho sendo insultado.

Contra qualquer orientação de seu companheiro, ele avançou contra o mascarado empunhando sua espada larga. Frente ao avanço do inimigo, Freud escolheu recuar, abrindo uma distância considerável entre seu oponente e o de Silver.

— Pare de correr seu covarde! — vociferou o homem, sem pausar sua corrida.

Enquanto a dupla se distanciava, as sobrancelhas do inimigo restante afundavam, expressando sua opinião sobre as ações de seu parceiro. Independente de seus pensamentos, ele entrou em posição de combate.

Sem outras palavras, Silver levantou os punhos em resposta, com um leve sorriso no rosto.

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