Volume Único

Capítulo 7 – Área de recreação

Atualizado em: 02 de abril de 2024 as 05:00

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11 de maio de 2040, Local desconhecido, Alguma montanha, Nova Alemanha

Era de dia. Mais especificamente, bem no começo da manhã.

Um homem encapuzado caminhava em direção a uma montanha. Ele vestia um manto escuro e andava devagar, tomando cuidado para não cair naquele solo irregular.

O local parecia não ter nenhuma visita há anos. Não havia nenhum sinal de qualquer tipo de vida por ali. Nem mesmo um animal. Apenas rochas, pra lá e pra cá.

O homem continuou a andar até chegar no sopé((Nota: é a base de uma montanha.)) da montanha. Ali, avistou uma enorme porta feita de ouro e cheia de inscrições incompreensíveis.

Chegou perto, apoiou uma mão nela e sussurrou palavras incompreensíveis:

— Nef… erim… lez… zhard

Um som de porta se abrindo pôde ser escutado, mas nenhuma passagem foi aberta. Pelo contrário, a porta que ali estava desapareceu sem deixar nenhum rastro.

Uma expressão de satisfação surgiu no rosto do homem. Aquilo lhe agradou ao ponto de dizer em voz alta:

— O selo foi quebrado. Agora falta só mais uma coisinha. — Sorriu e tirou a mão que ainda estava apoiada na montanha. Em seguida, foi em direção a uma trilha que levava ao pico.

Andou até chegar lá em cima e se deparou com um grande número de barras de ouro aparentemente puras.

“Vamos levar isso daqui comigo.”, pensou e levantou um dos pulsos em direção às barras. Nele, tinha uma espécie de relógio preto que, quando foi tocado pela outra mão do homem, lançou uma luz azul nas barras e fez elas sumirem.

— Perfeito! Agora basta esperar o show começar! Pena que vai levar um tempo até o palco estar totalmente preparado! — exclamou em êxtase, desceu rapidamente pela trilha e caminhou de volta para o lugar de onde veio, cantarolando.

À tarde, o céu escureceu, e o sol ficou com uma coloração incomum.

Pessoas que voltavam do trabalho observaram o fenômeno com certa apreensão.

Alunos em suas escolas olharam para o céu. Suas reações variavam entre apatia e ansiedade.

Cidadãos andando pelas ruas pararam para olhar para cima.

Multidões se formaram por todos os lugares do globo.

O curioso fenômeno repercutiu muito naquele momento.

Cientistas do mundo inteiro se reuniram em pesquisas para tentar encontrar qualquer possível causa. E os jornais nunca pararam de noticiar acerca desse mistério.

Ninguém sabia o motivo. Isso deixou muitos cidadãos assustados.

Apesar das pesquisas não avançarem, uma coisa era certa: fazia muito tempo desde que um fenômeno irreconhecível como esse tinha acontecido.

Para os especialistas, foi na verdade um alívio nada pior ter ocorrido. Era senso comum que quando algo do tipo aparecia, diversos outros fenômenos naturais eram afetados e haviam danos incomensuráveis nas nações.

Mesmo após meses, não houve nenhum avanço nas pesquisas. Os cientistas e os jornalistas se sentiam cada vez mais frustrados.

As mídias hegemônicas insistiram em pressionar os pesquisadores por qualquer informação, mas não havia nada para divulgar.

Então a imprensa não teve outra escolha a não ser continuar apenas falando do evento e sobre as dificuldades nas pesquisas.

Todos já até estavam cansados de ouvir sobre o tal fenômeno desconhecido. E a maioria das pessoas optou por continuar seguindo com a vida sem se preocupar.

Afinal, não importava se o sol ou o céu tinham ou não cores diferentes. A realidade continuava sendo a mesma: a população ainda precisava trabalhar e ganhar dinheiro para sobreviver, e os ricos ainda precisavam continuar acumulando capital.

Tudo continuou da mesma forma. Até a chegada do “dia”, como ficou eternizado.

No dia 15 de agosto do ano 2040, uma chuva estranha começou, e monstros no formato de amebas se formaram a partir das gotas. Seus tamanhos eram diversos.

As nações entraram em clima de guerra.

Foi um problema de escala mundial, mas dentre todos os países, o que mais sofreu, sem dúvidas, foi a Nova Alemanha.

16 de agosto de 2040, Frankfurt, Primeiro abrigo, Nova Alemanha

Thomas acordou cedo até demais. Quando tinha que ir para a escola, era diferente. Mas tudo o que aconteceu no dia anterior dificultou seu sono.

Levantou, se espreguiçou e saiu da tenda.

Ali fora, viu que uma boa parcela de pessoas já tinha levantado e os soldados estavam passando entre as tendas e entregando o café da manhã. Era algo padrão para todos: pão com geleia e café fraco.

Para o garoto, não foi diferente. Entregaram uma bandeja com dois Brötchen((Nota: tipo de pão pequeno, muito comum no café da manhã alemão.)), um pequeno pote com um pouco de geleia e um copo de café.

Tudo foi servido em utensílios descartáveis biodegradáveis.

Ele comeu tudo e jogou numa lata de lixo próxima dali.

Logo depois, pegou uma muda de suas roupas novas e foi em direção ao banheiro masculino público que Konrad lhe mostrou para tomar banho.

Como era de se esperar num lugar com tantas pessoas, havia uma fila ali.

Era pequena então logo chegou a sua vez.

Tomou banho, se trocou e levou sua roupa anterior para lavar nas máquinas. Felizmente não precisou agendar.

Saiu de lá e foi procurar alguma coisa para fazer porque estava entediado. O lugar era bem grande, mas não tinha muito para fazer.

Ele explorou os lugares mencionados pelo Konrad. Até mesmo aqueles que eram institucionais.

Lembrou que ele tinha lhe mostrado uma área de recreação. Então foi até o local.

A princípio, o lugar por fora parecia uma construção relativamente grande e fechada, pouco maior do que uma casa.

Mas ao entrar lá, Thomas viu que era um tipo de pátio, então não tinha muita cobertura além daquela que ficava acima dos brinquedos e mesas de jogos que, por sinal, eram antigos.

Havia mesas de Tischtennis((Nota: Ping-pongue ou tênis de mesa em alemão.)), Rutschbahnen((Nota: escorregadores. Geralmente os infantis.)), e mesas de Tischkicker((Nota: pebolim, totó ou como quer que chamem na sua região. Mas é o tradicional futebol de mesa.)).

Crianças corriam por todo lado. Uma delas passou por Thomas e quase esbarrou nele. Ela pediu desculpas e continuou correndo.

Os pais das crianças gritavam com elas para pararem de correr. Isso deixou o garoto triste, pois o fez lembrar de seu pai e de sua mãe, que estava desaparecida.

“Como seria bom se eu só pudesse ver meu pai mais uma vez… mas eu nem tive a chance de me despedir apropriadamente. Aquele dia que eu fui pra escola… não imaginava que aquela despedida casual seria para sempre. Eu também não deveria ter ignorado minha mãe daquele jeito. Ela sofreu tanto quanto eu.”, pensou, com os olhos brilhando e prestes a lacrimejar.

— Mas eu tenho que fazer o possível para sobreviver. Não posso perder tempo chorando. Já chorei o suficiente. E, no momento, preciso ocupar minha mente de alguma forma — sussurrou e caminhou em direção a uma mesa de Tischkicker.

Antes de chegar, foi surpreendido com um toque em seu ombro. Olhou para trás e viu Konrad sorrindo de orelha a orelha.

— E aí, Thommy? De boa?

— Estou bem, sim.

— Só curtindo aqui?

— Acho que sim. Eu estava prestes a jogar Tischkicker.

— Opa! Eu sou bom nisso aí! Posso jogar?

— Claro. Acho que nem daria pra jogar sozinho. Eu ia precisar de alguém mesmo.

— Isso! Vamo lá! — gritou estridentemente e colocou seu braço em volta do pescoço de Thomas, se apoiando em seu ombro e andando junto com ele.

Ao chegarem na mesa, olharam um para o outro com um clima de rivalidade e colocaram as mãos nos manetes.

— Hohoho! Se prepara pra perder, garotinho! Melhor de três, ok?

— Vamos ver quem é que vai perder. Três é mais do que o suficiente para isso.

E finalmente começaram o jogo.

Empurraram a bolinha para o centro e tentaram pegar com os meios-campos.

Konrad levou a melhor nessa. Ele conseguiu jogar a bola para a zaga e reposicionou ela para o meio.

Depois, com a posse, reposicionou ela para os atacantes pelo canto, passou para o atacante do meio e fez um gol.

— Hehehe! Parece que o ganhador vai ser eu.

— Não cante vitória antes do final do jogo. — Puxou a gaveta, pegou a bola e colocou ela no campo novamente.

Em seguida, dominou com os meios-campos, passou de um para o outro e chutou para frente, pegou com o atacante central e fez o gol tão rápido que o homem nem conseguiu reagir.

— Pensei que era você quem ia ganhar.

— Eu ainda vou ganhar de tu, seu pestinha, tu vai ver! E não adianta chorar depois!

— Vou ficar esperando.

Colocaram de novo a bola em jogo e Thomas novamente fez um gol.

— Hm… — expressou Thomas, provocando Konrad.

— Eu sei o que esse “hm” quer dizer, ok?! O jogo ainda não acabou. Vamo lá!

A bola foi colocada mais uma vez no campo.

E, dessa vez, quem fez um gol foi Konrad. Não foi um gol qualquer, mas um com o goleiro, então começou a se achar:

— Eu não disse, moleque?! Tá vendo?! Não me chamam de “Konrad, o melhor jogador de Tischkicker” por nada.

— Aposto que ninguém nunca te chamou assim.

— Tanto faz. Vamo acabar com isso logo. Minhas mão já tão doendo!

— Certo… vou acabar com isso o mais rápido possível.

— Vamo ver então!

O jogo seguiu equilibrado por bastante tempo. Ninguém conseguia fazer gol. Toda finalização era defendida.

Até que Konrad fez uma jogada sem querer e acertou um gol com um dos zagueiros.

— Muahahaha! Quem é o melhor agora? É o Konrad, pode dizer! Foi fácil, fácil, pivete.

— Isso claramente foi uma jogada nada calculada. Você fez sem querer.

— “Um bom mágico nunca revela seus truques.” — citou o dito popular.

— Você sabe que está usando isso num contexto errado, né?

— “Só sei que nada sei.” — Fez uma pose forçada, como se estivesse dentro de um teatro, segurou o queixo com o dedo indicador e o polegar e olhou para cima.

— Agora você virou Sócrates?!

— “O homem nasce bom e o Tischkicker o corrompe.”

— Agora está fazendo trocadilhos?!

— Só admite que tu perdeu, Thommy! Um perdedor é um perdedor, não importa como o oponente venceu!

— Uma vitória dessas eu nunca vou admitir.

— Tu que sabe. Vai continuar com essa na tua conta pra sempre.

— Ainda terei minha minha vingança.

— Hahaha! Vai perder de novo! A sorte também conta quando se trata de jogos, tu não sabia disso?

— Eu vou ignorar esse comentário. Se prepara para a nossa revanche.

— Claro, claro. Mas vamo tem que deixar pra depois. Eu tenho umas coisa pra resolver. Tenho que sair fora agora. Falou, Thommy! — disse, já andando e saindo do lugar.

— Até mais, Konrad.

Viu o homem saindo dali e, depois de alguns minutos observando os outros jogos e brinquedos, resolveu sair também.

Lá fora, percebeu que já estava na hora do almoço, porque os soldados já estavam entregando marmitas e talheres descartáveis feitos de madeira.

O menino foi para o refeitório e sentou numa mesa qualquer. Nela tinha um garoto de cabelo escuro e pele negra.

Thomas pediu licença para o garoto, abriu a marmita e começou a comer. O menino fez o mesmo.

Depois que terminou de comer, Thomas começou a levantar, mas o garoto abriu a boca:

— Opa! Tudo bem contigo?

— Eu? — Sentou novamente.

— Sim, você. Acho que não tem mais ninguém aqui tão perto de mim.

— Eu estou bem, e você?

— É… diria que nem tanto.

— Entendi.

— A gente parece ter a mesma idade, quantos anos você tem?

— Tenho quinze anos, e você?

— O mesmo.

— Então… por que me chamou?

— Por nada demais. Só achei que parecia ter a mesma idade que eu e seria legal conversar. O nome é Axel.

— Thomas. É um prazer. — Estendeu a mão e apertou a do garoto.

— O prazer é meu. — Correspondeu ao aperto.

— O que está achando daqui, Axel?

— Só faz um dia que o lugar foi montado, então não tenho muito o que dizer. Mas acho que é melhor do que ser morto lá fora, né?

— Com certeza.

— Thomas, se não for incômodo perguntar, você veio com alguém da sua família?

— Por que pergunta?

— É que… esquece o que eu disse, ok?

— Se é assim que você quer.

— Foi bom falar contigo, Thomas. A gente se vê por aí. — Levantou e saiu correndo.

“Ele deve ter seus motivos. De qualquer modo, o que eu faço agora? Não tem muito pra fazer agora. Se ao menos eu estivesse com o livro que ganhei da minha mãe… não ouvi nada do Konrad sobre uma biblioteca ou coisas do tipo por aqui. Espera! O relógio. Eu me esqueci de testar ele. Se não me engano, ele pode emular livros em hologramas também. Vou ver isso lá na tenda.”, ponderou e correu para sua tenda, ansioso.

Sentou lá dentro e imediatamente tocou na tela do relógio.

Depois, pensou em livros, e um holograma mostrando uma espécie de banco de dados com os mais variados tipos de livros, surgiu.

Eles eram categorizados por gênero e nível de acesso. Além disso, havia ícones mostrando a capa de cada um.

Para testar essa questão do nível, Thomas clicou em um com um nível de acesso marcado como intermediário.

Imediatamente outro holograma surgiu. Nele estava escrito: “Acesso negado. O usuário não possui as qualificações necessárias.”; se fechou logo em seguida.

“Eu pensei que era só um relógio holográfico comum. Mas parece que o general me deu um militar. Tem vários livros estranhos. De todo modo, tanto faz. Eu só quero ler um livro comum. Vamos ver se tem algo do Charles Strauss.”, pensou enquanto deslizava os dedos pelo holograma, rolando até achar um livro de seu autor favorito.

Em questão de segundos, achou um que queria ler há bastante tempo. Clicou no ícone e um holograma mostrando a primeira página apareceu.

“Impressionante. Será que é o livro inteiro? E como será que eu passo de página?”

Tentou deslizar os dedos como normalmente fazia com os livros didáticos através do HoloSpeicher, na horizontal.

O holograma fez um efeito de passagem de página e mostrou a outra. Continuou passando rapidamente até chegar à última.

“É realmente o livro inteiro! Parece que eu não vou precisar me preocupar em ficar sem fazer nada!”

Voltou para a primeira página e começou a ler e continuou até terminar. Depois que terminou, começou a ler outro. E mais outro, e mais outro.

Isso perdurou até o anoitecer e o jovem pegar no sono.

Lá estava eu, correndo de um monstro sem forma. Minhas pernas se cansavam e eu perdia minhas forças a cada passo.

À minha esquerda, estava minha mãe segurando minha mão. Seu rosto não lembrava a mãe que conhecia.

À minha direita, estava meu pai. Sua expressão assustada me deixava triste.

Ele parou de correr repentinamente, e foi devorado pela criatura.

Eu chorei e quis parar de correr, mas minha mãe me puxou.

Corremos até perto de um beco e ela me empurrou para frente.

Caí no chão e não pude mais vê-la.

— Mãe! Cadê você?! — gritei, desesperado.

Ela não me respondeu.

Forcei-me a levantar, ignorando o cansaço, e continuei a fugir do monstro.

Uma adaga de ouro apareceu de repente em minhas mãos.

Parei de andar, virei em direção à criatura e joguei a arma nela.

Ela se desfez. E eu caí de joelhos no chão, chorando.

— Por que?! Por que eu fui o único a sobreviver?! — Meu coração parecia explodir enquanto gritava.

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